Difference between revisions of "Tóssan e o Professor Magalhães"
| Line 7: | Line 7: | ||
'''Tóssan e Magalhães''' foram amigos e certamente '''trocavam''' ideias sobre o Algarve, a Arte e a Cultura. '''Guilherme d’Oliveira Martins''' numa página do [https://www.cnc.pt/tossan/ Centro Nacional de Cultura] escreveu sobre '''Tóssan''': "Tivemos uma '''referência''' comum, o '''Dr. Joaquim Magalhães''', com quem '''discreteava''', caminhando na rua de Santo António em Faro, quando ia entregar a crónica para o “Diário de Notícias”. Nesta página deixamos uma carta -pública- de '''Magalhães a Tóssan''' e alguns dos poemas da tríplice obra "Eu só queria ser Tóssan", publicada por João Paulo Cotrim com a Câmara Municipal de Loulé. | '''Tóssan e Magalhães''' foram amigos e certamente '''trocavam''' ideias sobre o Algarve, a Arte e a Cultura. '''Guilherme d’Oliveira Martins''' numa página do [https://www.cnc.pt/tossan/ Centro Nacional de Cultura] escreveu sobre '''Tóssan''': "Tivemos uma '''referência''' comum, o '''Dr. Joaquim Magalhães''', com quem '''discreteava''', caminhando na rua de Santo António em Faro, quando ia entregar a crónica para o “Diário de Notícias”. Nesta página deixamos uma carta -pública- de '''Magalhães a Tóssan''' e alguns dos poemas da tríplice obra "Eu só queria ser Tóssan", publicada por João Paulo Cotrim com a Câmara Municipal de Loulé. | ||
| − | Carta de '''Magalhães a Tóssan''' in "Cartas Sem código postal" | + | '''Adeus, Tóssan'''<br /> |
| + | In: Carta de '''Magalhães a Tóssan''' in "Cartas Sem código postal" <br /> | ||
| − | * | + | *Excerto 1<br /> |
Eu sabia, todos os seus sabiam que a sua resistência de vida ia sendo vencida. E foi. No dia 11 deste cálido mês de Agosto [1991]. Em Lisboa. No Hospital de Santa Maria. Do que sentimos, todos os que o conhecíamos, estimávamos e admirávamos, não vale falar. As palavras tornam-se inúteis para exprimir desgostos. Não abusemos delas.<br /> | Eu sabia, todos os seus sabiam que a sua resistência de vida ia sendo vencida. E foi. No dia 11 deste cálido mês de Agosto [1991]. Em Lisboa. No Hospital de Santa Maria. Do que sentimos, todos os que o conhecíamos, estimávamos e admirávamos, não vale falar. As palavras tornam-se inúteis para exprimir desgostos. Não abusemos delas.<br /> | ||
E agora que você partiu, o nosso adeus não pode ser só uma maneira bonita de despedida. Tem que ser mais. Tem que ser uma comunicação à gente da sua terra, da nossa terra. Comunicação de uma proposta de lembrança da sua qualidade maior, das suas capacidades artísticas. E que os seus patrícios, Tóssan, não o conheciam. Ouviam falar de um humorista que aparecia, de longe a longe de muito longe a longe na televisão. De um humorista que brincava, no convívio com os que os estimavam, com ditos, jeitos, gestos, desenhos que deliciavam...<br /> | E agora que você partiu, o nosso adeus não pode ser só uma maneira bonita de despedida. Tem que ser mais. Tem que ser uma comunicação à gente da sua terra, da nossa terra. Comunicação de uma proposta de lembrança da sua qualidade maior, das suas capacidades artísticas. E que os seus patrícios, Tóssan, não o conheciam. Ouviam falar de um humorista que aparecia, de longe a longe de muito longe a longe na televisão. De um humorista que brincava, no convívio com os que os estimavam, com ditos, jeitos, gestos, desenhos que deliciavam...<br /> | ||
Mas quem sabe que os seus desenhos para os livros para crianças do '''Leonel Neves''', outro algarvio, que o Algarve ignora, são uma maravilha? Quem sabe que esses desenhos, de linhas de uma sobriedade ímpar, representam humanos sentimentos nas figuras de animais. Os seus cavalos, os seus cães, os seus elefantes, as suas aves são como pessoas vivas a rirem-se connosco, a chorarem, a falarem com os leitores, os espectadores dos seus bonecos.<br /> | Mas quem sabe que os seus desenhos para os livros para crianças do '''Leonel Neves''', outro algarvio, que o Algarve ignora, são uma maravilha? Quem sabe que esses desenhos, de linhas de uma sobriedade ímpar, representam humanos sentimentos nas figuras de animais. Os seus cavalos, os seus cães, os seus elefantes, as suas aves são como pessoas vivas a rirem-se connosco, a chorarem, a falarem com os leitores, os espectadores dos seus bonecos.<br /> | ||
| − | |||
| − | |||
[[File:Tossancao.JPG|500px]]<br /> | [[File:Tossancao.JPG|500px]]<br /> | ||
| + | * Excerto 2<br /> | ||
Não, ninguém sabe, ou repara nisso. Um ou outro lembra-se de si, aqui eu, Faro, quando você era estudante no Liceu. Outros sabem que participou no TEUC. Outros, muitos, ficaram com os retratos - sim - retratos, desenhados por si nos livros de final de curso.<br /> | Não, ninguém sabe, ou repara nisso. Um ou outro lembra-se de si, aqui eu, Faro, quando você era estudante no Liceu. Outros sabem que participou no TEUC. Outros, muitos, ficaram com os retratos - sim - retratos, desenhados por si nos livros de final de curso.<br /> | ||
| Line 27: | Line 27: | ||
[[File:Tossan-Manuela-Aleixo-no-Sanatorio-de-Covoes-Coimbra-anos40-sec-xx.jpg|150px]]<br /> | [[File:Tossan-Manuela-Aleixo-no-Sanatorio-de-Covoes-Coimbra-anos40-sec-xx.jpg|150px]]<br /> | ||
| − | P.S. Aqui interrompi a carta. E o tempo passou. Meses e meses. | + | |
| + | *Excerto 3<br /> | ||
| + | |||
| + | '''P.S.''' Aqui interrompi a carta. E o tempo passou. Meses e meses. | ||
Agora, que sua mulher já lhe foi fazer companhia e que vou ter oportunidade de um correio azul para lhe levar estas notícias, receba-as com uma piada das suas, pelo atraso.<br /> | Agora, que sua mulher já lhe foi fazer companhia e que vou ter oportunidade de um correio azul para lhe levar estas notícias, receba-as com uma piada das suas, pelo atraso.<br /> | ||
Revision as of 11:54, 9 October 2025
![]()
António Fernando dos Santos, mais conhecido por Tóssan
Vila Real de Santo António, 1918 - Lisboa, 1991.
Humorista. Poeta. Declamador. Pintor. Ilustrador. Publicista. Caricaturista. Cenógrafo. Decorador. Gráfico. Foi aluno no Liceu de Faro, hoje Escola Secundária João de Deus e na escola Industrial e Comercial de Faro, hoje Secundária de Tomás Cabreira. É de sua autoria o logótipo da Universidade do Algarve.
Tóssan e Magalhães foram amigos e certamente trocavam ideias sobre o Algarve, a Arte e a Cultura. Guilherme d’Oliveira Martins numa página do Centro Nacional de Cultura escreveu sobre Tóssan: "Tivemos uma referência comum, o Dr. Joaquim Magalhães, com quem discreteava, caminhando na rua de Santo António em Faro, quando ia entregar a crónica para o “Diário de Notícias”. Nesta página deixamos uma carta -pública- de Magalhães a Tóssan e alguns dos poemas da tríplice obra "Eu só queria ser Tóssan", publicada por João Paulo Cotrim com a Câmara Municipal de Loulé.
Adeus, Tóssan
In: Carta de Magalhães a Tóssan in "Cartas Sem código postal"
- Excerto 1
Eu sabia, todos os seus sabiam que a sua resistência de vida ia sendo vencida. E foi. No dia 11 deste cálido mês de Agosto [1991]. Em Lisboa. No Hospital de Santa Maria. Do que sentimos, todos os que o conhecíamos, estimávamos e admirávamos, não vale falar. As palavras tornam-se inúteis para exprimir desgostos. Não abusemos delas.
E agora que você partiu, o nosso adeus não pode ser só uma maneira bonita de despedida. Tem que ser mais. Tem que ser uma comunicação à gente da sua terra, da nossa terra. Comunicação de uma proposta de lembrança da sua qualidade maior, das suas capacidades artísticas. E que os seus patrícios, Tóssan, não o conheciam. Ouviam falar de um humorista que aparecia, de longe a longe de muito longe a longe na televisão. De um humorista que brincava, no convívio com os que os estimavam, com ditos, jeitos, gestos, desenhos que deliciavam...
Mas quem sabe que os seus desenhos para os livros para crianças do Leonel Neves, outro algarvio, que o Algarve ignora, são uma maravilha? Quem sabe que esses desenhos, de linhas de uma sobriedade ímpar, representam humanos sentimentos nas figuras de animais. Os seus cavalos, os seus cães, os seus elefantes, as suas aves são como pessoas vivas a rirem-se connosco, a chorarem, a falarem com os leitores, os espectadores dos seus bonecos.
- Excerto 2
Não, ninguém sabe, ou repara nisso. Um ou outro lembra-se de si, aqui eu, Faro, quando você era estudante no Liceu. Outros sabem que participou no TEUC. Outros, muitos, ficaram com os retratos - sim - retratos, desenhados por si nos livros de final de curso.
As caricaturas - retratos de Tóssan nesses, livros de lembranças que grande exposição que davam!
Pouca gente sabe que não aceitou o convite da Amélia Rey Colaço. Horários pesados, com horas marcadas, a cumprir, coisas difíceis, para não dizer, impossíveis, para pessoas como o Tóssan.
Já é mais sabido quanto o seu patrício António Aleixo, seu companheiro no Sanatório de Coimbra, lhe ficou a dever. O estímulo que lhe deu no convívio com ele.
Por mim tive a sorte de publicar versos dele. A você ficou a sorte de o ter levado a ditar-lhe o "Auto do Curandeiro". O Dr. Armando Gonçalves foi outro dos que o ajudaram. Claro que normalmente fica na sombra a Manuela, sua mulher, candidata a santa, por o ter aturado a si, que foi um homem muito difícil fora do convívio à vista; a Manuela, sua mulher que também ajudou o Aleixo, apoiando-o a si, o mais que pôde; a Manuela que era (e é) sobrinha do Dr. Armando; e por isso tinha acesso ao Sanatório de que o tio era responsável...
- Excerto 3
P.S. Aqui interrompi a carta. E o tempo passou. Meses e meses.
Agora, que sua mulher já lhe foi fazer companhia e que vou ter oportunidade de um correio azul para lhe levar estas notícias, receba-as com uma piada das suas, pelo atraso.
Carta de JM publicada na imprensa regional e posteriormente no livro "Cartas sem Código Postal".
- “O Homem que só Queria ser Tóssan” foi editado por João Paulo Cotrim (“Arranha Céus”, 2021). São três volumes numa caixa, um sobre a obra gráfica e dois sobre a produção escrita:
- “Lógica zoológica. Frutos e desfrutos. Animalia. Contos e Descontos” e
- “Versos côncavos e com versos”.
- Tal e coisa...
Quando ela me apareceu
vinha tal qual
como prometeu
E na intimidade
da solidão
ficamos enraizados
a trocarmos amor
E tal e coisa...
E coisa e tal...
Mais prá esquerda
mais prá direita
e continuamos
entre as fendas do silêncio
e porque tira e porque deixa
e tal e coisa e coisa e tal
ela já não dizia coisa com coisa
e eu tal e qual tal e coisa
tal como ela e eu tal qual
- Clique aqui para ouvir este poema pela voz de Ilda Silva.
- Amor descalço
(Dedicado à Manuela[esposa de Tóssan])
Ela ia minada de beleza
E eu, pé-ante-pé, seguia-a
como um íman preso
à memória que fica.
No entanto,
a indecisão se foi evaporando
até acender o meu espanto.
E para não me ouvir os passos
descalcei-me
E, descalço, ia no encantado encalço
do seu encanto.
De repente ela parou.
Fiquei mudo de atitudes!!!
E antes que eu falasse,
disse-me: Cale-se!
E eu calcei-me...
- Clique aqui para ouvir este poema pela voz de Ilda Silva.
- A Velha da Gata e a Gata da Velha
Uma velha tinha um gato
e o gato tinha uma velha
mas o gato que a velha tinha
tinha a tinha que tinha a velha.
E não era gato, era gata.
A velha da gata
de velha que era,
sofria da telha ou da pinha
e a gata da velha, de tão velha,
já era velhinha.
A velha, de velha, já andava de gatas
e a gata já andava de velhas.
Quando a velha andava de gatas
parecia a gata da velha,
e como a velha dobrava a espinha
a gata queria comer a espinha da velha.
Tudo pela gata ter tinha
e a velha sofrer da pinha.
Quando a gata chorava,
a velha miava.
Ficava sem se saber
qual era a gata ou qual era a velha
que debaixo da cama vinha,
em cima da cama estava,
debaixo da cama dormia,
e por cima ressonava.
A velha tinha fôlego de gata!
E junto à cabeceira
a gaita de foles estava.
Quando a velha gaiteia
tocava na velha gaita,
chorava a gata da velha
por causa dos foles da gaita.
A velha que tinha gôta
caiu no goto da gata
morrendo a gata de gôta,
ficando a velha gótica
sem gôta e sem gata.
Mas como ainda tinha tinha
e sobria da velha telha,
juntou-se a tinha na pinha
e morreu careca a velha
in https://arquivo.pt/wayback/20190830113103/http://beebgondomar.blogspot.com/2013/11/tossan.html
- Bibliografia
-"Tóssan:Lógica zoológica, frutos e desfrutos, animalia, contos e descontos"
-"Tossan:Versos côncavo e com versos"
-"O homem que só queria ser Tóssan"
Mais sobre Tóssan
Raul Solnado e Mário Viegas e página na wikialgarve
Travou amizade com grandes figuras da cultura e política nacional, como António Aleixo, Almeida Santos, Mário Viegas e Raul Solnado.[3] Um dos seus mais célebres poemas foi a Ode ao Futebol, escrito em 1945, publicado no jornal A Bola, e declamado por Raul Solnado em 1969, no programa de televisão Zip Zip.
O ator Mário Viegas, amigo de Tóssan, reuniu num documento, em 1992, poemas e textos de prosa inéditos para um espectáculo intitulado Tótó, que representou a solo, nesse ano.
in wikipedia.
Chegou a declamar a sátira O Futebol no famoso programa de televisão ZIP-ZIP, em 1969. Dele disseram Raul Solnado e Mário Viegas que “poderia ter sido um homem do humor” e o maior ator cómico da segunda metade do século. Viegas, velho amigo, levou ao palco em 1991 textos seus inéditos, num espetáculo a que deu o nome de Tótó. in https://almanaquesilva.wordpress.com/tag/tossan/
ODE AO FUTEBOL
E o mais célebre dos poemas de Tóssan:
“Retângulo verde
meio de sombra
meio de sol
Vinte e dois em cuecas
jogando futebol
Correndo
saltando
ziguezagueando
ao som dum apito
Um homem magrito
também em cuecas
E mais dois carecas
com uma bandeira
De cá para lá
de lá para cá
Bola ao centro
bola fora
Fora o árbitro
/
E a multidão
lá do peão
Gritava
berrava
gesticulava
e a bola coitada
rolava no verde
Rolava no pé
de cabeça
em cabeça
a bola não perde
um minuto sequer
Mas a bola é mulher
não sabe o que quer
e zumbindo no ar
como um besoiro
Toda redonda
toda bonita
vestida de coiro
O árbitro corre
o árbitro apita
O público grita
Gooooolllllooooo!
Bola nas redes
Laranjadas
pirolitos
Asneiras
palavrões
damas frenéticas
gordas
esqueléticas
esganiçadas aos gritos
Todos à uma
todos ao um
Ao árbitro roubam o apito
Entra a guarda
entra a polícia
Os cavalos a correr
os senhores a esconder
Uma cabeça aqui
um pé acolá
ancas
coxas
pernas
pé
Cabeças no chão
cabeças de cavalo
cavalos sem cabeça
com os pés no ar
Fez-se em montão
a multidão.
E uma dama excitada
que era casada
Com um marido
distraído
No meio da bancada
que estava à cunha
Tirou-lhe um olho
com a própria unha
À unha, à unha!
Ânimos ao alto!
E no fim
perdeu-se o campeonato