Difference between revisions of "Rosa, António Ramos - Obras Proibidas"

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*'''Obras Proibidas'''
 
*'''Obras Proibidas'''
  António Ramos Rosa (ARR) publicou mais de 50 livros de poesia, mas não encontramos indicação de que foram censurados. Nesta wiki iremos ler o poema de ARR publicado na '''Antologia da Poesia Erótica e Satírica''' de Natália Correia e de alguns poemas publicados na Revista Árvore.<br /> ARR em entrevista ao Expresso, em 1988, [https://expresso.pt/premio-pessoa/laureados/2010-10-31-Laureado-Premio-Pessoa-1988---Antonio-Ramos-Rosa] diz: <br />"Vim para Lisboa em 1945. Estive cá dois anos. Depois voltei para Faro. Integrei-me então no Movimento de Unidade Democrática - o MUD Juvenil, onde tive uma grande atividade militante, tendo por isso estado preso [1947]; <br />"A primeira delas [das revistas literárias de que fui diretor] foi a Árvore, e foi a mais importante. Foi proibida pela Censura, pela PIDE.
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  '''António Ramos Rosa'''  publicou mais de 50 livros de poesia, mas não encontramos indicação de que foram censurados. Nesta wiki iremos ler o poema de ARR publicado na censurada '''Antologia da Poesia Erótica e Satírica''' de Natália Correia e de um poema da revista '''Árvore'''.<br />ARR em entrevista ao Expresso, em 1988,[https://expresso.pt/premio-pessoa/laureados/2010-10-31-Laureado-Premio-Pessoa-1988---Antonio-Ramos-Rosa] diz:<br />"Vim para Lisboa em 1945. Estive cá dois anos. Depois voltei para Faro. Integrei-me então no Movimento de Unidade Democrática - o MUD Juvenil, onde tive uma grande atividade militante, tendo por isso estado preso [1947];<br />"A primeira delas [das revistas literárias de que fui diretor] foi a Árvore, e foi a mais importante. Foi proibida pela Censura, pela PIDE".
  
*'''''Dia de Verão''''''
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* Poema 1 - '''Dia de Verão'''<br />
  
 
Contra a muralha de ar<br />
 
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livres em cada poro que o ar e a luz penetram<br />
 
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in '''Antologia da Poesia Erótica e Satírica''', página 482.<br />
 
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*'''''Telegrama sem Classificação Especial'''''<br />
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* '''Outros poemas''' <br />
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*Poema 2 - '''Mãe'''<br />
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Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.<br />
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Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.<br />
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Estou contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta<br />
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Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.<br />
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Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho<br />
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Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,<br />
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Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical,<br />
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sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento<br />
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a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,<br />
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tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.<br />
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E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.<br />
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Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.<br />
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Com o teu amor humano e divino<br />
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quero fundir o diamante do fogo universal.<br />
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*Poema 3  - '''Não Posso Adiar o Amor''' - Leitura e vídeo por A. L. Amaro, 12ºano 02.<br />Outra leitura e vídeo por Ana F. e Catarina L. 12º ano 02<br />
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sob montanhas cinzentas<br />
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Não posso adiar este abraço<br />
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que é uma arma de dois gumes<br />
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A seiva inebriante. A palavra reveladora<br />
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Corrente transmissível no círculo iniciático.<br />
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E a unanimidade se estende aos objetos<br />
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Respiram amplamente em nós os elementos<br />
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a aliança cósmica em louvor da vida.<br />
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Se o repouso demorasse sobre a fronte<br />
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como um dom imanente. E a visão<br />
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os tufos das sementes emergindo com<br />
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seus frutos sobre a terra num manto<br />
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de esplendor como um brocado<br />
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E por toda a planura despertassem<br />
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modulações serenas de uma manhã de estio.<br />
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Se o horizonte se oferecesse como um<br />
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livro à dilatada, perene respiração.<br />
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Se transfigurado o imo ardente<br />
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*Poema 6 - '''Poema Aderência''' - Leitura e vídeo por Samuel Bento, 12.º ano.<br />
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A poalha ido mar sobre a lama.<br />
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Uma lâmina viva.<br />
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Cigarro para um almoço justo.<br />
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Fome para aguentar a vida.<br />
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O solo é duro como um dedo crestado.<br />
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○ burro cumprimenta o sol.<br />
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A cal do meio-dia penetra-me as espáduas.<br />
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Eu tenho o gosto do dia calcado pelas pedras.<br />
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Caminhando<br />
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Um passo largo<br />
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sob os pés<br />
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um solo de grãos onde trepida o branco<br />
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In: "Estou Vivo e Escrevo Sol" 1966<br />
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* Poema 8 - '''Amor da Palavra, Amor do Corpo'''<br />
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A nudez da palavra que te despe.<br />
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Que treme, esquiva.<br />
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Com os olhos dela te quero ver,<br />
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Boca na boca através de que boca<br />
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posso eu abrir-te e ver-te?<br />
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É meu receio que escreve e não o gosto<br />
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do sol de ver-te?<br />
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Todo o espaço dou ao espelho vivo<br />
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e do vazio te escuto.<br />
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Silêncio de vertigem, pausa, côncavo<br />
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de onde nasces, morres, brilhas, branca?<br />
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És palavra ou és corpo unido em nada?<br />
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É de mim que nasces ou do mundo solta?<br />
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Amorosa confusão, te perco e te acho,<br />
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à beira de nasceres tua boca toco<br />
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e o beijo é já perder-te.<br />
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Perde-se com a idade um não sei quê<br />
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que era talvez sombra e sabor e até tristeza<br />
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e assim temos outra paz de inclinação<br />
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em clareiras limpas tocadas de algum eco<br />
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melancólico e lúcido E quase sem ilusão<br />
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entregamo-nos ao âmbito de uma paz<br />
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que é a medida do mundo quando nada<br />
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se nos oferece senão o habitar<br />
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Dizem que é jardim<br />
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porque repousa<br />
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E diz-se também que se ilumina<br />
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Mas que dizer da trama<br />
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Que dizer do vento?<br />
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Que se prepara o incêndio<br />
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* Poema 11 - '''Telegrama sem Classificação Especial'''<br />
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Ao Egito Gonçalves<br />
 
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in Revista '''Árvore''', pág. 30 e 31.<br />
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in Revista '''Árvore''', Volume II - Primeiro Fascículo, pág. 30 e 31.<br />
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[https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/Arvore/N04/N04_master/AArvore_N04.pdf Nota: a Hemeroteca Digital de Lisboa disponibiliza aqui este n.º da Revista Árvore]<br />
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*'''Outros poemas de ARR
 
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* '''''Amor da palavra, amor do corpo'''''<br />
 
 
 
A nudez da palavra que te despe.<br />
 
Que treme, esquiva.<br />
 
Com os olhos dela te quero ver,<br />
 
que não te vejo.<br />
 
Boca na boca através de que boca<br />
 
posso eu abrir-te e ver-te?<br />
 
É meu receio que escreve e não o gosto<br />
 
do sol de ver-te?<br />
 
Todo o espaço dou ao espelho vivo<br />
 
e do vazio te escuto.<br />
 
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo<br />
 
de onde nasces, morres, brilhas, branca?<br />
 
És palavra ou és corpo unido em nada?<br />
 
É de mim que nasces ou do mundo solta?<br />
 
Amorosa confusão, te perco e te acho,<br />
 
à beira de nasceres tua boca toco<br />
 
e o beijo é já perder-te.<br />
 
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* '''''Mãe'''''<br />
 
 
 
Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.<br />
 
 
 
Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.<br />
 
 
 
Estou contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta<br />
 
 
 
Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.<br />
 
 
 
Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho<br />
 
 
 
Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,<br />
 
 
 
Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical,<br />
 
 
 
sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento<br />
 
 
 
a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,<br />
 
 
 
tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.<br />
 
 
 
E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.<br />
 
 
 
Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.<br />
 
 
 
Com o teu amor humano e divino<br />
 
 
 
quero fundir o diamante do fogo universal.<br />
 
 
 
in '''''Antologia poética'''''<br />
 
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*'''''Não posso adiar o amor'''''
 
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Não posso adiar o amor<br />
 
para outro século<br />
 
não posso<br />
 
ainda que o grito sufoque<br />
 
na garganta<br />
 
ainda que o ódio estale<br />
 
e crepite e arda<br />
 
sob montanhas cinzentas<br />
 
e montanhas cinzentas<br />
 
 
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Não posso adiar este abraço<br />
 
que é uma arma de dois gumes<br />
 
amor e ódio<br />
 
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Não posso adiar<br />
 
ainda que a noite pese<br />
 
séculos sobre as costas<br />
 
e a aurora indecisa demore,<br />
 
não posso adiar para<br />
 
outro século a minha<br />
 
vida<br />
 
nem o meu amor<br />
 
nem o meu grito de<br />
 
libertação<br />
 
Não posso adiar o coração<br />
 
  
In '''Viagem Através de Uma Nebulosa'''<br />
 
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António Ramos Rosa - Retrato por Gracinda Candeias no seu facebook.PNG ARR-Arvore.jpg ARR-poema-Dia-de-Verao.jpg

  • António Vitor Ramos Rosa (Faro, 1924 - Lisboa, 2013)
Poeta, escritor, ensaísta, crítico literário, tradutor e desenhador. Fez parte do MUD Juvenil e por isso esteve preso. Foi diretor de várias revistas literárias [Árvore, Cassiopeia, Cadernos do Meio-Dia, ...) que sofreram algum tipo de censura.
  • Obras Proibidas
António Ramos Rosa  publicou mais de 50 livros de poesia, mas não encontramos indicação de que foram censurados. Nesta wiki iremos ler o poema de ARR publicado na censurada Antologia da Poesia Erótica e Satírica de Natália Correia e de um poema da revista Árvore.
ARR em entrevista ao Expresso, em 1988,[1] diz:
"Vim para Lisboa em 1945. Estive cá dois anos. Depois voltei para Faro. Integrei-me então no Movimento de Unidade Democrática - o MUD Juvenil, onde tive uma grande atividade militante, tendo por isso estado preso [1947];
"A primeira delas [das revistas literárias de que fui diretor] foi a Árvore, e foi a mais importante. Foi proibida pela Censura, pela PIDE".
  • Poema 1 - Dia de Verão

Contra a muralha de ar
desfaço os nós da cinza dura
a ânsia larga larga
lucidamente embarco no meu corpo
e no ar
onde mulheres vivas rompem
com o sangue do Verão
rodopiando ancas sonoras
giram na vertigem direitas contra
a força do ar caindo como uma onda
sobre o sexo que respira violentamente
abertas vulvas felizes na febre fresca
corpos de seda e sede
livres em cada poro que o ar e a luz penetram
desfazendo todos os nós no ar
altas frescas fortalezas
Correia-Natalia-capafoto-antologiadepoesiaerotivaportuguesa.jpgARR-poema-Dia-de-Verao.jpg
in Antologia da Poesia Erótica e Satírica, página 482.

  • Outros poemas
  • Poema 2 - Mãe

Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.
Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.
Estou contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta
Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.
Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho
Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,
Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical,
sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento
a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,
tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.
E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.
Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.
Com o teu amor humano e divino
quero fundir o diamante do fogo universal.


  • Poema 3 - Não Posso Adiar o Amor - Leitura e vídeo por A. L. Amaro, 12ºano 02.
    Outra leitura e vídeo por Ana F. e Catarina L. 12º ano 02

Não posso adiar o amor
para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque
na garganta
ainda que o ódio estale
e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese
séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore,
não posso adiar para
outro século a minha
vida
nem o meu amor
nem o meu grito de
libertação
Não posso adiar o coração

In Viagem Através de Uma Nebulosa

  • Poema 4 - Rotações - Leitura e vídeo por Inês M. e Sofia V., 12º ano 02

Como num ritual litúrgico-pagão:
se reparte O alimento elementar
à chama que nos anima.
O pomo sazonado ou o sabor primeiro.
A seiva inebriante. A palavra reveladora
Corrente transmissível no círculo iniciático.
Recolhimento-expansão. Polaridade no Uno.
E a unanimidade se estende aos objetos
de sustentação do culto: a matéria ainda
tão próxima das fontes que se pressente
nela a mesma vibração.
Respiram amplamente em nós os elementos
na mais perfeita osmose. Sortilégio este:
a aliança cósmica em louvor da vida.

  • Poema 5 - Rotações 2 - Leitura e vídeo por Inês M. e Sofia V., 12º ano 02

Se o repouso demorasse sobre a fronte
como um dom imanente. E a visão
distendida refletisse os veios de água,
os tufos das sementes emergindo com
seus frutos sobre a terra num manto
de esplendor como um brocado
E por toda a planura despertassem
modulações serenas de uma manhã de estio.
Se o horizonte se oferecesse como um
livro à dilatada, perene respiração.
Se transfigurado o imo ardente
em constelação perfeita culminasse.

  • Poema 6 - Poema Aderência - Leitura e vídeo por Samuel Bento, 12.º ano.


A manhã molhada como uma moeda.
A poalha ido mar sobre a lama.
Uma lâmina viva.
A rede do sol nas narinas de sal.

Cigarro para um almoço justo.
Fome para aguentar a vida.
Pedra para a língua.

O solo é duro como um dedo crestado.
○ burro cumprimenta o sol.
A cal do meio-dia penetra-me as espáduas.

A pedra tem o gosto do dia.
Eu tenho o gosto do dia calcado pelas pedras.

In Animal Olhar(Pág. 151)


  • Poema 7 - Caminhando - Leitura e vídeo por C. Madeira, 12º ano 02


Caminhando
Um passo largo
que me enche
de ar

uma certeza rápida
e fresca
sem memória

a face gasta
sob os pés

um solo de grãos onde trepida o branco

In: "Estou Vivo e Escrevo Sol" 1966


  • Poema 8 - Amor da Palavra, Amor do Corpo

A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que não te vejo.
Boca na boca através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.

  • Poema 9 -Perde-se com a Idade - Leitura e vídeo por Matilde M. e Sofia J. 12º ano 02


Perde-se com a idade um não sei quê
que era talvez sombra e sabor e até tristeza
e assim temos outra paz de inclinação
em clareiras limpas tocadas de algum eco
melancólico e lúcido E quase sem ilusão
entregamo-nos ao âmbito de uma paz
que é a medida do mundo quando nada
se nos oferece senão o habitar
aquelas horas de um universo que 
é no silêncio glória obscura e transparente

  • Poema 10 - Dizem que é Jardim - Leitura e vídeo por Matilde M. e Sofia J. 12º ano 02


Dizem que é jardim
porque repousa
E diz-se também que se ilumina
em pausas
repentinas
Mas que dizer da trama
em movimento?
Que dizer do vento?
Que se prepara o incêndio
aqui na folha

Antonioramorosa-livros-na-wook.png


  • Poema 11 - Telegrama sem Classificação Especial

Ao Egito Gonçalves

Estamos nus e gramamos.

Na grama secular um passarinho verde
canta para um poema lírico, para um poeta lírico,
que se nasceu
é certo que não cantou.

As paisagens continuam a existir.
As paisagens são suaves.
Continuam também a existir
outras coisas
que dão matéria para poemas.
A vida continua.
Felizmente que há ódios, comichões, vaidades.
A estupidez, esta crassa crença intratável, esta confiança
indestrutível em si mesmo,
é o que felizmente dá uma densidade, uma plenitude a isto.

Num mundo descoroçoante de puras imagens
é bom este banho de resistências, pressões, vontades, atritos,
é bom navegar.
porque este presente é logo saudoso.

Na grama um passarinho canta.
Evidentemente que o poeta suicidou-se.

A vida continua.
Certas coisas que pareciam mortas
estão agora vivas ou, pelo menos, mexem-se.
Ausentes, dominam-nos.
Não é para nós que utilizam as palavras,
que insistem,
não é para nós!
Estes grandes ornamentos, estes sábios discursos
fluem em visões, em ondas, como se não no presente.
Ter-se-á o presente extinguido?
A vida continua tão improvávelmente.

Na grama um passarinho canta.
Canta por cantar, ou não, canta.

Eu poderia, com rigor, agora
cantar:

Os anjos exactos
que empunham tesouras
de encontro aos factos
- ó minhas senhoras!

Ou rigorosamente ainda,
com veemente exactidão,
inutilizar o poema,
todos os poemas
porque

Estamos nus e gramamos.

ARR-Arvore.jpgAntonioramosrosa-Telegrama.jpg
in Revista Árvore, Volume II - Primeiro Fascículo, pág. 30 e 31.
Nota: a Hemeroteca Digital de Lisboa disponibiliza aqui este n.º da Revista Árvore


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