Difference between revisions of "Brandao, Fiama Hasse Pais - Livro Proibido"

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*'''Fiama Hasse Pais Brandão''' (1939-2007)<br />
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Escritora, ensaísta e tradutora '''Fiama Hasse Pais Brandão''' (1939-2007) "viu algumas das suas obras censuradas pela PIDE. '''O Testamento''' (1962) foi proibido no dia 2 de Setembro de 1963; O Museu, publicado em 1962 na coletânea Novíssimo Teatro Português, foi proibido no dia 6 de Maio de 1965; '''A Campanha, O Golpe de Estado e Auto da Família''', publicadas no mesmo volume que '''Diálogos dos Pastores''', foram proibidas em 1965; '''Quem move as árvores''' foi proibida no dia 8 de Abril de 1970, tendo depois sido editada em livro em 1979".[https://www.esquerda.net/dossier/fiama-hasse-pais-brandao-censura-de-o-testamento/63404]<br />
  
'''Fiama Hasse Pais Brandão''' (1939-2007)<br />
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  A peça de teatro''' Testamento''' sugere que não pode haver espectadores na vida, que toda a gente tem de intervir em tudo o que à vida pública diz respeito, e é por isso que peça e vida se confundem. Publicada em Dezembro de 1962, foi proibida no dia 2 de Setembro de 1963, tendo assim aguentado quase um ano longe das mãos censórias. Foi proibida pela Direção Geral dos Serviços de Espetáculos e não há, nem nos registos da Torre do Tombo deste órgão nem no ficheiro da PIDE de Fiama Hasse Pais Brandão, qualquer nota ou relatório com os motivos da proibição. Contudo, é uma obra que representa a rejeição da constituição de 1963, que idealiza a igualdade perante a lei e perante as oportunidades na vida.<br /> Fiama teve mais peças de teatro e livros censurados como Auto da Família''', '''A Campanha''', Barcas Novas''', '''O Golpe de Estado''', '''Quem Move as Árvores''' e '''(Este) Rosto'''. '''A Campanha''' é uma peça com o intuito de denúncia da repressão salazarista, com evidentes relações com a guerra colonial portuguesa. Várias peças de teatro da autoria de Fiama foram consideradas pela PIDE inconvenientes, por serem de cariz irónico e humilhante para as instituições militares e para as figuras históricas portuguesas. Em 1970 ganha o Prémio Maria Matos com '''Quem move as árvores''' e no seu livro ('''Este) Rosto''', presta homenagem a José Dias Coelho, artista assassinado pelo regime político português.<br />https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/61164/1/ulfldsamaral_tm.pdf]
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Escritora, ensaísta e tradutora<br />
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*Leituras do livro proibido '''O Testamento'''<br />
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*'''Excerto 1''' (pág. 11 a 13) [[File:Ouvir-.png|18px|link=https://agr-tc.pt/bibliotecas/leituras-em-liberdade-25deabril50anos/Brandao_Fiama-Hasse-Pais_Livro-OTestamento-Excerto1-lido-por-Erica-Daniela-e-Rafa.wav]]&nbsp; [https://agr-tc.pt/bibliotecas/leituras-em-liberdade-25deabril50anos/Brandao_Fiama-Hasse-Pais_Livro-OTestamento-Excerto1-lido-por-Erica-Daniela-e-Rafa.wav lido por Erica, Daniela e Rafa da turma PIA3]&nbsp;&nbsp;
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''No palco, simultaneamente, um troço de rua e o interior dum teatro com plateia e palco. Na parede exterior do teatro um cartaz: ''O TESTAMENTO'' De início só a parte da rua está iluminada. Entra o Casal 1.Dia. Ruído de trânsito e de gente.<br />''MULHER 1<br />A peça chama-se?<br />MARIDO 1<br /><O Testamento>.<br />MULHER 1<br />Que título! Que triste ideia escrever coisas dessas. Vem uma pessoa ao teatro é para se distrair.<br />MARIDO 1<br />Efetivamente impingir ao público coisas a tresandar a morte é de péssimo gosto.<br />MULHER 1<br />Detestável, detestável. Nós o que precisamos é de coisas alegres para distrair o espírito.<br />MARIDO 1<br />Pagar-se um bom dinheiro pelo de bilhete para se chegar à conclusão de que havemos de morrer, não vale a pena. É espantoso como se permite um espetáculo destes. Que havemos de morrer já nós sabemos.<br />MULHER 1<br />Vamos ao teatro e, quem diz ao teatro, ao cinema, enfim, vamos a espetáculos, justamente para, entre outras coisas, nos esquecermos disso.<br />MARIDO 1<br />É imoral, é mesmo imoral. Vêm-nos inquietar a consciência com tudo isto.<br />MULHER 1<br />Não pode uma pessoa viver descansada. "O testamento"! Que lembrança! Que arranjassem outro assunto. O testamento...um morto, é claro! Não pode haver testamento sem morto.
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*'''Excerto 2''' [[File:Ouvir-.png|18px|link=https://agr-tc.pt/bibliotecas/leituras-em-liberdade-25deabril50anos/Brandao_Fiama-Hasse-Pais_Livro-OTestamento-Excerto2-lido-por-Erica-Luana-e-Lara.wav]]&nbsp; [https://agr-tc.pt/bibliotecas/leituras-em-liberdade-25deabril50anos/Brandao_Fiama-Hasse-Pais_Livro-OTestamento-Excerto2-lido-por-Erica-Luana-e-Lara.wav lido por Dina Erica, Luana e Lara da turma PIA3]&nbsp;&nbsp;
  
Fiama Hasse Pais Brandão (1939-2007) viu algumas das suas obras censuradas pela PIDE algumas das suas obras O Testamento (1962) foi proibido no dia 2 de Setembro de 1963; O Museu, publicado em 1962 na colectânea Novíssimo Teatro Português, foi proibido no dia 6 de Maio de 1965; A Campanha, O Golpe de Estado e Auto da Família, publicadas no mesmo volume que Diálogos dos Pastores, foram proibidas em 1965; Quem move as árvores foi proibida no dia 8 de Abril de 1970, tendo depois sido editada em livro em 1979. Para além de escritora, Fiama foi ensaísta e tradutora, tendo traduzido do inglês, do alemão e do francês. Na literatura, destaca-se a sua pluralidade estética.<br />https://www.esquerda.net/dossier/fiama-hasse-pais-brandao-censura-de-o-testamento/63404
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MARIDO 1<br />É verdade, não temos. Somos apenas espectadores, felizmente. Não gostamos nunca de nos meter em complicações. Não há nada mais cómodo do que ser espectador, num bom fauteil, é claro.<br />MULHER 1<br />Felizmente somos ricos. Compramos sempre bons lugares, belos estofos, confortáveis. Temos uma vida muito agradável. Dinheiro não nos falta. Podemos comprar lugares para todos os espetáculos. A questão é que não nos venham com coisas tristes nem maçadoras. Já que temos dinheiro, queremos divertir-nos.<br />MARIDO 1<br />Não nos venham com mortes, nem com misérias, nem com outras coisas que façam pensar. Nós não pensamos nem sentimos; distraímo-nos, sentados nos nossos fauteuils de veludo, a ver os outros andarem sem saber que jeito hão de dar à vida.<br />MULHER 1<br />Agora é que está mesmo na hora.<br />MARIDO 1<br />Entremos, pois, entremos. Vamos lá ver como é que o João se sai.<br />(Entram na parte do palco que é o teatro: um pequeno palco, cadeiras de plateia. Sem luz.)                                                                     
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'''''O Testamento'''''<br />
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*'''Excerto 3''' (Pág. 108) [[File:Ouvir-.png|18px|link=https://agr-tc.pt/bibliotecas/leituras-em-liberdade-25deabril50anos/Brandao_Fiama-Hasse-Pais_Livro-OTestamento-Excerto3-lido-por-EricaLamarosa-e-EvaChorond.wav]]&nbsp; [https://agr-tc.pt/bibliotecas/leituras-em-liberdade-25deabril50anos/Brandao_Fiama-Hasse-Pais_Livro-OTestamento-Excerto3-lido-por-EricaLamarosa-e-EvaChorond.wav lido por Erica Lamarosa e Eva Chorond da turma PIA3]&nbsp;&nbsp;
  
Fiama Hasse Pais Brandão: a censura de “O Testamento”
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''(Música. Deve ter ritmo de marcha. PAUSA. Entra o Encenador, com as personagens que na cena anterior tinham saído para salvar o mundo. Todos à boca de cena.)''<br />ENCENADOR<br />Minhas senhoras e meus senhores, o espetáculo vai prosseguir, pois os atores estão de novo em cena. Regressam afortunadamente sãos e salvos, se bem que tenham sofrido alguns dissabores. Não conseguiram ainda levar a cabo a sua missão, pois um mal-entendido inesperado os fez desistir provisoriamente. Foram apedrejados e insultados. Um homem ergueu-se de entre a multidão e falou por todos. Falou do ódio, da fome e do medo. Estes senhores tiveram de regressar sem terem ainda cumprido a sua missão. Houve um erro, um equívoco tremendo. Aquele homem que ali veem, bem, é difícil e ingrato de explicar… Por amor à humanidade, por amor à humanidade…, estes senhores… para tranquilizar a população…encarregaram-me de o enforcar. Desconheço os motivos, é claro, mas, apesar de ser o Encenador, em momentos graves como este obedeço apenas. Compete-me descobrir o melhor processo de executar as ordens. Enforquei-o num guindaste para não trair a atualidade. Um guindaste é a forca ideal do século vinte.<br />Bem, podemos continuar o espetáculo. Estes senhores vão agora proceder à inauguração.<br />(Sai.)
"A peça de Pais Brandão sugere que não pode haver espectadores na vida, que toda a gente tem de intervir em tudo o que à vida pública diz respeito, e é por isso que peça e vida se confundem.Publicada em Dezembro de 1962, a obra O Testamento (1962) foi proibido no dia 2 de Setembro de 1963, tendo assim aguentado quase um ano longe das mãos censórias. Foi proibida pela Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos e não há, nem nos registos da Torre do Tombo deste órgão nem no ficheiro da PIDE de Fiama Hasse Pais Brandão, qualquer nota ou relatório com os motivos da proibição.<br />
 
 
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*Excerto 1<br />
 
 
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MARIDO 1<br />É verdade, não temos. Somos apenas espectadores, felizmente. Não gostamos nunca de nos meter em complicações. Não há nada mais cómodo do que ser espectador, num bom fauteil, é claro.<br />MULHER 1<br />Felizmente somos ricos. Compramos sempre bons lugares, belos estofos, confortáveis. Temos uma vida muito agradável. Dinheiro não nos falta. Podemos comprar lugares para todos os espectáculos. A questão é que não nos venham com coisas tristes nem maçadoras. Já que temos dinheiro, queremos divertir-nos.<br />MARIDO 1<br />
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'''OUTROS TEXTOS E POEMAS DE FIAMA'''
Não nos venham com mortes, nem com misérias, nem com outras coisas que façam pensar. Nós não pensamos nem sentimos; distraímo-nos, sentados nos nossos fauteuils de veludo, a ver os outros andarem sem saber que jeito hão-de dar à vida.<br />
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*['''''Os amigos que morrem'''''],&nbsp;[[File:Ouvir-.png|18px|link=https://agr-tc.pt/25-de-Abril_50-Anos/Brandao_FiamaHassePaisBrandao_OsAmigosQueMorrem-lido-por-RitaMadeira-12-2-2024-com-musica.mp3]][https://agr-tc.pt/25-de-Abril_50-Anos/Brandao_FiamaHassePaisBrandao_OsAmigosQueMorrem-lido-por-RitaMadeira-12-2-2024-com-musica.mp3 &nbsp;lido por Rita Madeira 12.º 2ª - 2024,]&nbsp;&nbsp;<br />
 
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MULHER 1<br />
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Os amigos que morrem são arbóreos,<br />
Agora é que está mesmo na hora.<br />
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plantados e memoráveis como freixos.<br />
MARIDO 1<br />
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Um freixo, que vejo entre árvores<br />
Entremos, pois, entremos. Vamos lá ver como é que o João se sai.<br />
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como a aura, o tronco novo<br />
(Entram na parte do palco que é o teatro: um pequeno palco, cadeiras de plateia. Sem luz.)<br />
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sulcado de rasgões, a raiz curta<br />
                                                                       
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comparável à memória viva enterrada.<br />
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Têm uma única forma até à morte, próximos do Sol,<br />
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que torna as outras árvores mais ténues que os isolados freixos.<br />
 
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[[File:Faculdade de Letras - 1959 - Gastão Cruz, Fiama, Luiza Neto Jorge, Luísa Ducla Soares, Fernão Perestelo e Dulce Pombeiro.png|700px]]<br />
*Excerto 2<br />
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[https://www.facebook.com/FascismoNuncaMais/photos/p.2291544690954897/2291544690954897/?type=3&locale=pt_BR Fotografia no facebook Antifacistas da Resistência]<br />Legenda:  "Faculdade de letras, 1959. Na foto: Gastão Cruz, Fiama, Luiza Neto Jorge, Luísa Ducla Soares, Fernão Perestelo e Dulce Pombeiro. Pormenor da Capa da Revista Phala, 1989."<br />
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Nota 1: na fotografia acima estão 3 dos 5 autores da Revista / Movimento poético '''''[https://pt.wikipedia.org/wiki/Poesia_61 Poesia 61]''''', publicada em Faro, daí -e com alguma liberdade poética- termos colocado Fiama Hasse Pais Brandão na categoria Autores Algarvios<br />
 
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(Música. Deve ter ritmo de marcha. PAUSA. Entra o Encenador, com as personagens que na cena anterior tinham saído para salvar o mundo. Todos à boca de cena.)<br />ENCENADOR<br />
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[[File:Logo25abril50anosleiturascensuradas.png|797px|center]]<br />
Minhas senhoras e meus senhores, o espectáculo vai prosseguir, pois os actores estão de novo em cena. Regressam afortunadamente sãos e salvos, se bem que tenham sofrido alguns dissabores. Não conseguiram ainda levar a cabo a sua missão, pois um mal-entendido inesperado os fez desistir provisoriamente. Foram apedrejados e insultados. Um homem ergueu-se de entre a multidão e falou por todos. Falou do ódio, da fome e do medo. Estes senhores tiveram de regressar sem terem ainda cumprido a sua missão. Houve um erro, um equívoco tremendo. Aquele homem que ali vêem, bem, é difícil e ingrato de explicar… Por amor à humanidade, por amor à humanidade…, estes senhores… para tranquilizar a população…encarregaram-me de o enforcar. Desconheço os motivos, é claro, mas, apesar de ser o Encenador, em momentos graves como este obedeço apenas. Compete-me descobrir o melhor processo de executar as ordens. Enforquei-o num guindaste para não trair a actualidade. Um guindaste é a forca ideal do século vinte.<br />
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[[File:Wiki-nao-censurada-lapisazul.png|797px|center]]<br />
Bem, podemos continuar o espectáculo. Estes senhores vão agora proceder à inauguração.<br />
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(Sai.)<br />
 
 
 
 
 
No link:https://www.esquerda.net/dossier/fiama-hasse-pais-brandao-censura-de-o-testamento/63404:
 
 
 
Informação da PIDE
 
 
 
No ficha de Fiama na PIDE, encontram-se algumas informações sobre a sua actividade política. O primeiro data de 1965, ano em que viu três das suas peças de teatro censuradas, e informa sobre a subscrição de um pedido de amnistia:
 
 
 
 
EM 20-4-965
 
 
 
Subscreveu com outros, nesta data, um apelo a Sua Exª. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para que fosse concedida uma amnistia aos presos que consideram políticos, mas que são apenas comunistas.
 
 
 
 
Doc. Arquivado em. P. AMNISTIA
 
 
 
 
 
 
Datado do mesmo ano, existe ainda um documento sobre a adesão da autora à “comissão de apoio à candidatura da oposição democrática”:
 
 
 
 
 
 
FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO – escritora
 
 
 
 
 
 
O epigrafado aderiu à “comissão de apoio à candidatura da oposição democrática”, com vista à eleição de deputados a realizar em 7 de Novembro de 1965, conforme se verifica dum recorte do Jornal “Diário de Notícias”, de 16 de Outubro de 1965, que se encontra arquivado na Pasta C- Eleições para Deputados – 1965 (Círculo de Lisboa).
 
 
 
 
 
 
Porto, S.R., 19 de Outubro de 1965
 
 
 
 
 
 
Em 1968, foi escrita uma nota informativa que dá conta da sua acção no movimento estudantil, de uma subscrição de um documento, da sua pertença à “oposição democrática” e da assinatura da revista “Seara Nova”:
 
 
 
 
 
 
INFORMAÇÃO
 
 
 
 
 
 
1 de Abril de 1968
 
 
 
 
 
 
“Em 1962, solidarizou-se e apoiou as actividades dos estudantes da Academia de Lisboa na luta pelas reivindicações que culminaram com a chamada “crise académica”.
 
 
 
Em 1965, subscreveu uma exposição dirigida a Sua Excelência o Presidente da República requerendo uma amnistia geral para os presos políticos.
 
 
 
Ainda no mesmo ano, aderiu à comissão de apoio à candidatura da “oposição democrática” pelo círculo de Lisboa, para as eleições dos deputados.
 
 
 
É assinante da revista “Seara Nova”.
 
 
 
 
 
 
Um outro documento informa sobre a detenção da autora, que durou algumas horas, ocorrida enquanto esta fazia uma greve de fome no decorrer da mencionada “crise académica”:
 
 
 
 
 
 
Em 11-5-962 – Foi detida pela PSP na Cantina da Cidade Universitária de Lisboa, quando fazia a greve da fome.
 
 
 
Deu entrada nas dependências daquela Polícia, na Parede, sendo solta ao fim deste dia.
 
 
 
 
 
 
Finalmente, existe ainda um documento identificativo, que não está datado, mas que corresponde à época em que a autora era estudante de Filologia Germânica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e no qual constam algumas das suas informações pessoais:
 
 
 
 
 
 
Nome – FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO
 
 
 
 
 
 
- Solteira
 
 
 
- Estudante da Faculdade de Letras
 
 
 
- Nascida a em Lisboa
 
 
 
- Filha de Gustavo Wilson Perey Brandão e de Carmem Pereira de Vasconcelos Hasse Brandão
 
 
 
- Residente, na Rua de Malpique, nº. 2-1º Dto – Lisboa
 
 
 
 
 
 
 
  
O Testamento (1962)
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[[Category:25 de Abril]][[Category:Teatro Censurado]][[Category:Autores Portugueses Censurados]][[Category:Autores Algarvios Censurados]][[Mulheres]][[Category:Autoras Portuguesas Censuradas]]

Latest revision as of 12:14, 29 April 2024

FiamaTestamento.png FiamaFoto.jpg

  • Fiama Hasse Pais Brandão (1939-2007)

Escritora, ensaísta e tradutora Fiama Hasse Pais Brandão (1939-2007) "viu algumas das suas obras censuradas pela PIDE. O Testamento (1962) foi proibido no dia 2 de Setembro de 1963; O Museu, publicado em 1962 na coletânea Novíssimo Teatro Português, foi proibido no dia 6 de Maio de 1965; A Campanha, O Golpe de Estado e Auto da Família, publicadas no mesmo volume que Diálogos dos Pastores, foram proibidas em 1965; Quem move as árvores foi proibida no dia 8 de Abril de 1970, tendo depois sido editada em livro em 1979".[1]

 A peça de teatro Testamento sugere que não pode haver espectadores na vida, que toda a gente tem de intervir em tudo o que à vida pública diz respeito, e é por isso que peça e vida se confundem. Publicada em Dezembro de 1962, foi proibida no dia 2 de Setembro de 1963, tendo assim aguentado quase um ano longe das mãos censórias. Foi proibida pela Direção Geral dos Serviços de Espetáculos e não há, nem nos registos da Torre do Tombo deste órgão nem no ficheiro da PIDE de Fiama Hasse Pais Brandão, qualquer nota ou relatório com os motivos da proibição. Contudo, é uma obra que representa a rejeição da constituição de 1963, que idealiza a igualdade perante a lei e perante as oportunidades na vida.
Fiama teve mais peças de teatro e livros censurados como Auto da Família, A Campanha, Barcas Novas, O Golpe de Estado, Quem Move as Árvores e (Este) Rosto. A Campanha é uma peça com o intuito de denúncia da repressão salazarista, com evidentes relações com a guerra colonial portuguesa. Várias peças de teatro da autoria de Fiama foram consideradas pela PIDE inconvenientes, por serem de cariz irónico e humilhante para as instituições militares e para as figuras históricas portuguesas. Em 1970 ganha o Prémio Maria Matos com Quem move as árvores e no seu livro (Este) Rosto, presta homenagem a José Dias Coelho, artista assassinado pelo regime político português.
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/61164/1/ulfldsamaral_tm.pdf]
  • Leituras do livro proibido O Testamento
No palco, simultaneamente, um troço de rua e o interior dum teatro com plateia e palco. Na parede exterior do teatro um cartaz: O TESTAMENTO De início só a parte da rua está iluminada. Entra o Casal 1.Dia. Ruído de trânsito e de gente.
MULHER 1
A peça chama-se?
MARIDO 1
<O Testamento>.
MULHER 1
Que título! Que triste ideia escrever coisas dessas. Vem uma pessoa ao teatro é para se distrair.
MARIDO 1
Efetivamente impingir ao público coisas a tresandar a morte é de péssimo gosto.
MULHER 1
Detestável, detestável. Nós o que precisamos é de coisas alegres para distrair o espírito.
MARIDO 1
Pagar-se um bom dinheiro pelo de bilhete para se chegar à conclusão de que havemos de morrer, não vale a pena. É espantoso como se permite um espetáculo destes. Que havemos de morrer já nós sabemos.
MULHER 1
Vamos ao teatro e, quem diz ao teatro, ao cinema, enfim, vamos a espetáculos, justamente para, entre outras coisas, nos esquecermos disso.
MARIDO 1
É imoral, é mesmo imoral. Vêm-nos inquietar a consciência com tudo isto.
MULHER 1
Não pode uma pessoa viver descansada. "O testamento"! Que lembrança! Que arranjassem outro assunto. O testamento...um morto, é claro! Não pode haver testamento sem morto.
MARIDO 1
É verdade, não temos. Somos apenas espectadores, felizmente. Não gostamos nunca de nos meter em complicações. Não há nada mais cómodo do que ser espectador, num bom fauteil, é claro.
MULHER 1
Felizmente somos ricos. Compramos sempre bons lugares, belos estofos, confortáveis. Temos uma vida muito agradável. Dinheiro não nos falta. Podemos comprar lugares para todos os espetáculos. A questão é que não nos venham com coisas tristes nem maçadoras. Já que temos dinheiro, queremos divertir-nos.
MARIDO 1
Não nos venham com mortes, nem com misérias, nem com outras coisas que façam pensar. Nós não pensamos nem sentimos; distraímo-nos, sentados nos nossos fauteuils de veludo, a ver os outros andarem sem saber que jeito hão de dar à vida.
MULHER 1
Agora é que está mesmo na hora.
MARIDO 1
Entremos, pois, entremos. Vamos lá ver como é que o João se sai.
(Entram na parte do palco que é o teatro: um pequeno palco, cadeiras de plateia. Sem luz.)
(Música. Deve ter ritmo de marcha. PAUSA. Entra o Encenador, com as personagens que na cena anterior tinham saído para salvar o mundo. Todos à boca de cena.)
ENCENADOR
Minhas senhoras e meus senhores, o espetáculo vai prosseguir, pois os atores estão de novo em cena. Regressam afortunadamente sãos e salvos, se bem que tenham sofrido alguns dissabores. Não conseguiram ainda levar a cabo a sua missão, pois um mal-entendido inesperado os fez desistir provisoriamente. Foram apedrejados e insultados. Um homem ergueu-se de entre a multidão e falou por todos. Falou do ódio, da fome e do medo. Estes senhores tiveram de regressar sem terem ainda cumprido a sua missão. Houve um erro, um equívoco tremendo. Aquele homem que ali veem, bem, é difícil e ingrato de explicar… Por amor à humanidade, por amor à humanidade…, estes senhores… para tranquilizar a população…encarregaram-me de o enforcar. Desconheço os motivos, é claro, mas, apesar de ser o Encenador, em momentos graves como este obedeço apenas. Compete-me descobrir o melhor processo de executar as ordens. Enforquei-o num guindaste para não trair a atualidade. Um guindaste é a forca ideal do século vinte.
Bem, podemos continuar o espetáculo. Estes senhores vão agora proceder à inauguração.
(Sai.)



OUTROS TEXTOS E POEMAS DE FIAMA


Os amigos que morrem são arbóreos,
plantados e memoráveis como freixos.
Um freixo, que vejo entre árvores
como a aura, o tronco novo
sulcado de rasgões, a raiz curta
comparável à memória viva enterrada.
Têm uma única forma até à morte, próximos do Sol,
que torna as outras árvores mais ténues que os isolados freixos.

Faculdade de Letras - 1959 - Gastão Cruz, Fiama, Luiza Neto Jorge, Luísa Ducla Soares, Fernão Perestelo e Dulce Pombeiro.png
Fotografia no facebook Antifacistas da Resistência
Legenda: "Faculdade de letras, 1959. Na foto: Gastão Cruz, Fiama, Luiza Neto Jorge, Luísa Ducla Soares, Fernão Perestelo e Dulce Pombeiro. Pormenor da Capa da Revista Phala, 1989."
Nota 1: na fotografia acima estão 3 dos 5 autores da Revista / Movimento poético Poesia 61, publicada em Faro, daí -e com alguma liberdade poética- termos colocado Fiama Hasse Pais Brandão na categoria Autores Algarvios

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