Difference between revisions of "Clímaco, Nita - Livros Proibidos"
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'''Nita Clímaco''', pseudónimo de Maria da Conceição Clímaco Tomé, terá nascido na década de 20 do século XX. Jornalista e escritora, viveu em Paris, onde foi correspondente da revista “Eva”, e o tema da emigração marcou fortemente a sua produção literária.<br />A sua relação com a PIDE, no curto período da sua produção literária, é assinalável: a autora escreveu cinco romances ('''''Falsos Preconceitos, 1964; Pigalle, 1965; O adolescente, 1966; A salto, 1967; A Francesa e Encontros, 1968)''''', tendo os três primeiros sido censurados. | '''Nita Clímaco''', pseudónimo de Maria da Conceição Clímaco Tomé, terá nascido na década de 20 do século XX. Jornalista e escritora, viveu em Paris, onde foi correspondente da revista “Eva”, e o tema da emigração marcou fortemente a sua produção literária.<br />A sua relação com a PIDE, no curto período da sua produção literária, é assinalável: a autora escreveu cinco romances ('''''Falsos Preconceitos, 1964; Pigalle, 1965; O adolescente, 1966; A salto, 1967; A Francesa e Encontros, 1968)''''', tendo os três primeiros sido censurados. | ||
*Leituras do livro proibido '''''Falsos Preconceitos''''' <br /> | *Leituras do livro proibido '''''Falsos Preconceitos''''' <br /> | ||
− | '''''Falsos Preconceitos''''' foi o primeiro romance que Nita Clímaco escreveu e publicou. A sua primeira edição esgotou nos dez dias que se seguiram à sua publicação. | + | '''''Falsos Preconceitos''''' foi o primeiro romance que Nita Clímaco escreveu e publicou. A sua primeira edição esgotou nos dez dias que se seguiram à sua publicação. |
− | *Excerto 1 | + | *'''Excerto 1''' |
− | + | De facto, é preciso ser português para compreender, para interpretar, o sortilégio do nome Paris. Na verdade, para os portugueses, o mistério e o encanto da capital da Luz começa desde a mais tenra infância, quando, para lhes ser explicado o enigma do nascimento, lhes é respondido, à indiscreta pergunta, que “vieram de Paris”.<br /> Assim, comparando a explicação da “couve” tão grata às crianças francesas, Paris representa para as crianças portuguesas o mais belo e poético sinonimo de mistério e de desconhecido. E, a partir da juventude, o segredo encantador de Paris é diariamente aumentado: as riquezas do Louvre ou do Museu do Homem, que inundam todos os manuais escolares portugueses; os filmes que evocam os recantos mais pitorescos de Paris; mais tarde, a atração da beleza dos seus manequins de alta costura; os vestidos elegantes e o luxo das sumptuosas festas na Ópera ou em Versalhes; o fruto proibido do espetáculo das “Folies Bergères” ou do “Casino de Paris”, os seus nus e canções atrevidas de duplo sentido; | |
− | De facto, é preciso ser português para compreender, para interpretar, o sortilégio do nome Paris. Na verdade, para os portugueses, o mistério e o encanto da capital da Luz começa desde a mais tenra infância, quando, para lhes ser explicado o enigma do nascimento, lhes é respondido, à indiscreta pergunta, que “vieram de Paris”.<br /> Assim, comparando a explicação da “couve” tão grata às crianças francesas, Paris representa para as crianças portuguesas o mais belo e poético sinonimo de mistério e de desconhecido. E, a partir da juventude, o segredo encantador de Paris é diariamente aumentado: as riquezas do Louvre ou do Museu do Homem, que inundam todos os manuais escolares portugueses; os filmes que evocam os recantos mais pitorescos de Paris; mais tarde, a | ||
− | *Excerto 2 | + | *'''Excerto 2''' |
− | + | Nessa noite, quando Mariana chegou a casa para se deitar, a sua antiga cama estava feita, e Monique disse-lhe num tom seco:<br />- Como estou um pouco constipada, o melhor é passarmos, outra vez, a dormir cada uma na sua cama!<br />Mariana ficou satisfeita, porque começava a achar insuportáveis as carícias de Monique, cada vez mais positivas e menos platónicas.<br />Mariana vivia agora só para Eric e o seu amor era apenas contrariado de quando em quando – mas poucas vezes – pelos remorsos sentidos com o aparecimento, na sua memória, da imagem, cada vez mais longínqua, do simpático e bondoso Dr. Filipe. | |
− | Nessa noite, quando Mariana chegou a casa para se deitar, a sua antiga cama estava feita, e Monique disse-lhe num tom seco:<br />- Como estou um pouco constipada, o melhor é passarmos, outra vez, a dormir cada uma na sua cama!<br />Mariana ficou satisfeita, porque começava a achar insuportáveis as carícias de Monique, cada vez mais positivas e menos platónicas.<br />Mariana vivia agora só para Eric e o seu amor era apenas contrariado de quando em quando – mas poucas vezes – pelos remorsos sentidos com o aparecimento, na sua memória, da imagem, cada vez mais longínqua, do simpático e bondoso Dr. Filipe. | ||
− | *Excerto 3 | + | *'''Excerto 3''' |
− | + | “Tens a certeza de que poderás fugir à atração de Eric? Tens a certeza que não lamentarás, amanhã, a decisão que hoje queres tomar? Tinham razão os teus amigos quando te intitulavam “Mademoiselle faux préjugé”!... Lembras–te das tuas noites com Monique? Desculpavas-te a ti própria, afirmando que durante esse período da tua vida nunca tinhas tomado iniciativas e que te limitavas a “sofrer” os assaltos de ternura de Monique. – Mas serás capaz de afirmar que esses “assaltos de ternura” como “inocentemente” tu os classificavas – te não deram prazer e que te não acalmaram os nervos excitados pelos teus primeiros beijos de amor, pelos beijos do Dr. Filipe? | |
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Revision as of 15:57, 18 April 2024
Nita Clímaco, pseudónimo de Maria da Conceição Clímaco Tomé, terá nascido na década de 20 do século XX. Jornalista e escritora, viveu em Paris, onde foi correspondente da revista “Eva”, e o tema da emigração marcou fortemente a sua produção literária.
A sua relação com a PIDE, no curto período da sua produção literária, é assinalável: a autora escreveu cinco romances (Falsos Preconceitos, 1964; Pigalle, 1965; O adolescente, 1966; A salto, 1967; A Francesa e Encontros, 1968), tendo os três primeiros sido censurados.
- Leituras do livro proibido Falsos Preconceitos
Falsos Preconceitos foi o primeiro romance que Nita Clímaco escreveu e publicou. A sua primeira edição esgotou nos dez dias que se seguiram à sua publicação.
- Excerto 1
De facto, é preciso ser português para compreender, para interpretar, o sortilégio do nome Paris. Na verdade, para os portugueses, o mistério e o encanto da capital da Luz começa desde a mais tenra infância, quando, para lhes ser explicado o enigma do nascimento, lhes é respondido, à indiscreta pergunta, que “vieram de Paris”.
Assim, comparando a explicação da “couve” tão grata às crianças francesas, Paris representa para as crianças portuguesas o mais belo e poético sinonimo de mistério e de desconhecido. E, a partir da juventude, o segredo encantador de Paris é diariamente aumentado: as riquezas do Louvre ou do Museu do Homem, que inundam todos os manuais escolares portugueses; os filmes que evocam os recantos mais pitorescos de Paris; mais tarde, a atração da beleza dos seus manequins de alta costura; os vestidos elegantes e o luxo das sumptuosas festas na Ópera ou em Versalhes; o fruto proibido do espetáculo das “Folies Bergères” ou do “Casino de Paris”, os seus nus e canções atrevidas de duplo sentido;
- Excerto 2
Nessa noite, quando Mariana chegou a casa para se deitar, a sua antiga cama estava feita, e Monique disse-lhe num tom seco:
- Como estou um pouco constipada, o melhor é passarmos, outra vez, a dormir cada uma na sua cama!
Mariana ficou satisfeita, porque começava a achar insuportáveis as carícias de Monique, cada vez mais positivas e menos platónicas.
Mariana vivia agora só para Eric e o seu amor era apenas contrariado de quando em quando – mas poucas vezes – pelos remorsos sentidos com o aparecimento, na sua memória, da imagem, cada vez mais longínqua, do simpático e bondoso Dr. Filipe.
- Excerto 3
“Tens a certeza de que poderás fugir à atração de Eric? Tens a certeza que não lamentarás, amanhã, a decisão que hoje queres tomar? Tinham razão os teus amigos quando te intitulavam “Mademoiselle faux préjugé”!... Lembras–te das tuas noites com Monique? Desculpavas-te a ti própria, afirmando que durante esse período da tua vida nunca tinhas tomado iniciativas e que te limitavas a “sofrer” os assaltos de ternura de Monique. – Mas serás capaz de afirmar que esses “assaltos de ternura” como “inocentemente” tu os classificavas – te não deram prazer e que te não acalmaram os nervos excitados pelos teus primeiros beijos de amor, pelos beijos do Dr. Filipe?
No relatório concernente a O Adolescente, a PIDE considerou que esta obra, assim como Pigalle, se pautava por uma “extrema imoralidade” pela existência de relações homossexuais existentes na obra. O Estado Novo reprimia todas as manifestações de homossexualidade, considerando esta orientação sexual não só imoral mas também criminosa (viria a ser descriminalizada apenas em 1982). Assim, pelas descrições da obra, seria expectável que o regime tentasse escondê-la. A homossexualidade era um assunto tabu e nenhuma obra que a referisse, ainda que levemente, poderia passar pelo crivo da censura.(...) A PIDE considerou que “dada a imoralidade que o livro revela”, “não é de molde a ser autorizada a sua circulação no País”, e isto apesar de a obra ser de tal forma reacionária que, afinal, se colocaria ao serviço do que o regime apregoava. Por Ana Bárbara Pedrosa.
- Para saber mais:
https://www.esquerda.net/dossier/nita-climaco-proibicao-de-falsos-preconceitos/62298
https://www.esquerda.net/dossier/nita-climaco-proibicao-de-o-adolescente/62315