Difference between revisions of "Amado, Jorge - Livros Proibidos"

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'''Capitães da areia, Jorge Amado'''<br />
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[[File:JorgeAmadoFoto.jpg|388px]] [[File:CapitãesAreiaLivro.jpg|166px]] [[File:JAIlheus.jpg|171px]] [[File:Gabriela.png|320px]]<br />
Sob a lua, num velho trapiche abandonado as crianças dormem.<br />
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Antigamente aqui era o mar. Nas grandes e negras pedras dos alicerces do trapiche as ondas ora se rebentavam fragorosas ora vinham sé bater mansamente. A água passava por baixo da ponte sob a qual muitas crianças repousam agora, iluminadas por uma réstia amarela de lua. Desta ponte saíram inúmeros veleiros carregados, alguns eram enormes e pintados de estranhas cores, para a aventura das travessias marítimas. Aqui vinham encher os porões e atracavam nesta ponte de tábuas hoje comidas. Antigamente diante do trapiche se estendia o mistério do mar oceano, as noites diante dele eram de um verde-escuro, quási negras, daquela cor misteriosa que é a cor do mar à noite.<br />
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*'''Jorge Amado''' (1912-2001)<br />
Hoje a noite é alva em frente ao trapiche. É que na sua frente se estende agora o areal do cais do porto. Por baixo da ponte não há mais rumor de ondas. A areia invadiu tudo, fez o mar recuar de muitos metros. Aos poucos, lentamente, a areia foi conquistando a frente do trapiche. Não mais atracaram na sua ponte os veleiros que iam partir carregados. Não mais trabalharam ali os negros musculosos que vieram da escravatura. Não mais cantou na velha ponte uma canção, um marinheiro nostálgico. A areia se estendeu muito alva em frente ao trapiche. E nunca mais encheram de fardos, de sacos, de caixões, o imenso casarão. Ficou abandonado em meio ao areal, mancha negra na brancura do cais.<br />
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Um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros de todos os tempos, sendo o autor mais adaptado para o cinema, teatro e televisão. É responsável por sucessos como '''Dona Flor e Seus Dois Maridos, Tenda dos Milagres, Tieta do Agreste, Gabriela, Cravo e Canela e Tereza Batista Cansada de Guerra.''' (In: Wikipédia)
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É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia: Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus cinco anos. Hoje tem 15 anos.<br />
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*'''Livro Proibido - Capitães da Areia'''<br />
Há dez que vagabundeia nas ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço.<br />
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*'''Excerto 1'''<br />
Ele ficou sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. Hoje sabe de todas as suas ruas e de todos os seus becos. Não há venda, quitanda, botequim que ele não conheça. Quando se incorporou aos Capitães da Areia (o cais recém-construído atraiu para as suas areias todas as crianças abandonadas da cidade) o chefe era Raimundo, o Caboclo, mulato avermelhado e forte.<br />
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Sob a lua, num velho trapiche abandonado as crianças dormem.<br />Antigamente aqui era o mar. Nas grandes e negras pedras dos alicerces do trapiche as ondas ora se rebentavam fragorosas ora vinham sé bater mansamente. A água passava por baixo da ponte sob a qual muitas crianças repousam agora, iluminadas por uma réstia amarela de lua. Desta ponte saíram inúmeros veleiros carregados, alguns eram enormes e pintados de estranhas cores, para a aventura das travessias marítimas. Aqui vinham encher os porões e atracavam nesta ponte de tábuas hoje comidas. Antigamente diante do trapiche se estendia o mistério do mar oceano, as noites diante dele eram de um verde-escuro, quási negras, daquela cor misteriosa que é a cor do mar à noite.<br />Hoje a noite é alva em frente ao trapiche. É que na sua frente se estende agora o areal do cais do porto. Por baixo da ponte não há mais rumor de ondas. A areia invadiu tudo, fez o mar recuar de muitos metros. Aos poucos, lentamente, a areia foi conquistando a frente do trapiche. Não mais atracaram na sua ponte os veleiros que iam partir carregados. Não mais trabalharam ali os negros musculosos que vieram da escravatura. Não mais cantou na velha ponte uma canção, um marinheiro nostálgico. A areia se estendeu muito alva em frente ao trapiche. E nunca mais encheram de fardos, de sacos, de caixões, o imenso casarão. Ficou abandonado em meio ao areal, mancha negra na brancura do cais.
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'''Capitães da areia, Jorge Amado'''<br />
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*'''Excerto 2'''<br />                                                                            
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É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia: Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus cinco anos. Hoje tem 15 anos.<br />Há dez que vagabundeia nas ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço.<br />Ele ficou sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. Hoje sabe de todas as suas ruas e de todos os seus becos. Não há venda, quitanda, botequim que ele não conheça. Quando se incorporou aos Capitães da Areia (o cais recém-construído atraiu para as suas areias todas as crianças abandonadas da cidade) o chefe era Raimundo, o Caboclo, mulato avermelhado e forte.
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*Livro Proibido -'''São Jorge dos Ilhéus'''<br />
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Em '''São Jorge dos Ilhéus''' o autor aborda a miséria no cultivo do cacau no Brasil, assim como as relações sociais e políticas de exploração laboral.<br /> [No Brasil],o romance mereceu dois relatórios de leitura. Em 1969, dezoito anos após a sua proibição, era levantada a interdição por negação da afiliação partidária e realce das qualidades literárias da obra, que “descrevia primorosamente a vida nas roças e na cidade, com todas as suas misérias”. Afinal, o autor não é comunista, retratava o relatório.
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*'''Excerto 3''' [[File:Ouvir-.png|18px|link=https://agr-tc.pt/bibliotecas/leituras-em-liberdade-25deabril50anos/Amado_Jorge_Livro-SJorgeDosIlhes-lido-por-MiguelFaria-11-7.mp3]]&nbsp; [https://agr-tc.pt/bibliotecas/leituras-em-liberdade-25deabril50anos/Amado_Jorge_Livro-SJorgeDosIlhes-lido-por-MiguelFaria-11-7.mp3 lido por Miguel Farias do 11.º 7ª.]&nbsp;&nbsp;
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*'''Excerto 4'''<br />
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De muito longe chegavam, quase impercetíveis, os passos dos homens que vinham. Antônio Vítor voltou-se para Raimunda — Tava de cabeça virada... Me meti até com mulher da vida... Te larguei aí como um resto...<br />— Tu fez bem, tu tava precisando, eu não tinha mais serventia, Tu fez bem, eu não tou com raiva...<br />ele riu, os passos agora soavam perto. Sob a luz da lua, enxergava os homens armados que andavam pela estrada. Eram doze, mas não fazia mal. Ficaram esperando que eles se aproximassem mais. Antônio Vítor sentia vontade, mais uma vez, de dizer aquelas palavras que não sabia, de fazer a Raimunda aquelas carícias que não conhecia. Só disse — eles já vem...<br />— Já...<br />Suspenderam as repetições, Raimunda disparou primeiro. Antônio Vítor não errou o tiro, o homem rolou na estrada. Os outros correram, saíram do caminho limpo, se meteram no mato, vinham por entre as árvores, localizavam Antônio Vítor e Raimunda, atrás da goiabeira. eles carregaram as armas de novo, Raimunda pôs o corpo para fora, levantou a repetição, fez pontaria no homem que se avistava entre as árvores. Atirou ao mesmo tempo que o outro, a sua bala se perdeu nos cacaueiros, a do homem acertou no peito de Raimunda, ela caiu de bruços sobre a terra. Antônio Vítor se curvou sobre ela, a mão se manchou de sangue — Munda!<br />Virou-lhe o rosto, ela sorria, sim, ela sorria! Da terra chegava um cheiro bom e forte, terra boa para o cacau. Não ia entregar a sua terra. Não, Munda, não entregaria!<br />Levantou-se, os homens estavam cercando a goiabeira. Apoiou a repetição no ombro, firmou a pontaria e atirou seu último tiro. Seu último tiro.<br />
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*'''Excerto 5''' [[File:Ouvir-.png|18px|link=https://agr-tc.pt/bibliotecas/leituras-em-liberdade-25deabril50anos/Amado_Jorge_Livro-SJorgeDosIlheus-pag210-lido-por-DaviGomes-11-7.mp3]]&nbsp; [https://agr-tc.pt/bibliotecas/leituras-em-liberdade-25deabril50anos/Amado_Jorge_Livro-SJorgeDosIlheus-pag3lido-por-MiguelFaria-11-7.mp3 lido por Davi Gomes do PIA 3.]&nbsp;&nbsp;
 
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Foi assim que, desde cedo, o ódio encheu seu peito. Na casa-grande da fazenda ele só amara, na infância abandonada, a negra Felícia, único ser que o tratava com bondade. Horácio não o ligava. O coronel Maneca Dantas passava de quando em vez e o tomava no colo mas era um gesto sem carinho. Talvez que, se o dr. Jessé não houvesse morrido, ele tivesse um amigo, pois o médico por vezes o acarinhava e era terno com ele quando Silveirinha adoecia. Mas Jessé morrera há muitos anos e o rapazinho ficara órfão de qualquer carinho. No colégio interno não fizera amigos. Na Faculdade, com a revelação pública do incidente materno, se afastara de todos. Dentro dele vivia apenas o ódio, um ódio insatisfeito, escondido, que se revelava em pequenas maldades. Mas um ódio medroso, Silveirinha herdara todo o terror que enchia o coração de Ester jogada na mata amedrontadora. Contavam dele que certa vez esbofeteara um velho que vivia na fazenda e fora ferido numa perna, durante uma das brigas de Horácio. Ficara incapaz para o trabalho e vivia na fazenda, sem fazer nada, desde os barulhos do Sequeiro Grande. Silveirinha dera-lhe uma ordem qualquer e como o velho se recusasse a obedecer, meteu-lhe o braço, derrubando o aleijado. Horácio vinha vindo para casa e assistiu a cena. Apressou o passo, já tinha os seus setenta anos, mas ainda era pesada sua mão e no rosto do filho (rapaz de 19 anos) ficara a marca dos dedos do coronel.<br />
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*'''Para saber mais:'''<br />
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''''Capitães da Areia': o dia em que o Estado Novo queimou um dos maiores clássicos da literatura brasileira'''<br />Em novembro de 1937, uma fogueira insólita ardia na Cidade Baixa de Salvador, a poucos passos do Elevador Lacerda e do atual Mercado Modelo.<br />A fumaça subia da praça pública em frente à então Escola de Aprendizes de Marinheiro, hoje o comando do 2º Distrito Naval da Marinha brasileira. Militares e membros da comissão de buscas e apreensões de livros, grupo nomeado pela Comissão Executora do Estado de Guerra do governo, assistiam ao "espetáculo".<br />O fogo era um símbolo dramático do combate à "propaganda do credo vermelho", como definiram as autoridades do recém-instalado Estado Novo de Getúlio Vargas. Na ocasião, foram queimadas mais de 1,8 mil obras de literatura consideradas simpatizantes do comunismo.<br />O escritor e militante do Partido Comunista Brasileiro Jorge Amado é uma figura maior da literatura mundial.<br />In:[https://oglobo.globo.com/cultura]<br />
  
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*'''Censura de Jorge Amado em Portugal'''<br />
  
RIO — "Romance cem por cento brasileiro de índole muito maliciosa". É assim que um censor português, durante o regime de Salazar, começou seu parecer em que aprovava a publicação de "Dona Flor e seus dois maridos", de Jorge Amado. O documento chamou atenção de pesquisadores por conta do tom de admiração do leitor-censor Estevão Martins pela obra do escritor baiano. Jorge Amado não era visto com bons olhos em Lisboa devido a sua relação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
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Enquanto realizava sua pesquisa em Portugal, Josélia [esposa de Jorge Amado] encontrou uma série de documentos e arquivos, como fotografias e recortes de jornais a respeito do escritor. Ela viu que, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, várias obras de Jorge Amado foram censuradas, como "São Jorge dos Ilhéus", em 1951, considerado um livro que explora as "desigualdades sociais, com vista aos triunfos comunistas". E ainda "Terras do sem-fim", no mesmo ano; "Capitães da Areia", em 1952; "Os subterrâneos da liberdade", em 1956; e "ABC de Castro Alves", em 1957.<br />Para Josélia, a censura contra a obra de Jorge Amado foi mais rígida em Portugal do que no Brasil, ainda que durante o Estado Novo de Vargas (1937-1945) praticamente tudo o que ele produziu fosse proibido. Ela contou que na ditadura militar (1964-1985) os livros não chegaram a ser censurados da mesma forma, mas seus leitores eram vistos pelo regime como pessoas "subversivas".
  
"Porém a beleza da prosa e a delicadeza com que são apresentadas as brejeirices forçam-nos a uma certa condescendência favorável na nossa apreciação. Uma vez ou outra aparece uma palavra obscena, o que aliás está muito em voga nos escritores da actualidade", registrou. Por fim, o censor defendeu a autorização para publicação da obra porque o produto é "volumoso e caro" e, portanto, não é acessível a "todos".
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*'''Livro "quase" proibido - Dona Flor e seus dois maridos'''<br />
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[[File:JorgeAmado2.jpg|JorgeAmado2.jpg|196px]]<br />
  
Enquanto realizava sua pesquisa em Portugal, Joselia encontrou uma série de documentos e arquivos, como fotografias e recortes de jornais a respeito do escritor. Ela viu que, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, várias obras de Jorge Amado foram censuradas, como "São Jorge dos Ilhéus", em 1951, considerado um livro que explora as "desigualdades sociais, com vista aos triunfos comunistas". E ainda "Terras do sem-fim", no mesmo ano; "Capitães da Areia", em 1952; "Os subterrâneos da liberdade", em 1956; e "ABC de Castro Alves", em 1957.
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"Romance cem por cento brasileiro de índole muito maliciosa". É assim que um censor português, durante o regime de Salazar, começou seu parecer em que aprovava a publicação de "Dona Flor e seus dois maridos", de Jorge Amado. O documento chamou atenção de pesquisadores por conta do tom de admiração do leitor-censor Estevão Martins pela obra do escritor baiano. Jorge Amado não era visto com bons olhos em Lisboa devido a sua relação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).<br />"Porém a beleza da prosa e a delicadeza com que são apresentadas as brejeirices forçam-nos a uma certa condescendência favorável na nossa apreciação. Uma vez ou outra aparece uma palavra obscena, o que aliás está muito em voga nos escritores da atualidade", registou. Por fim, o censor defendeu a autorização para publicação da obra porque o produto é "volumoso e caro" e, portanto, não é acessível a "todos". In:[https://oglobo.globo.com/cultura/o-censor-salazarista-que-se-encantou-por-dona-flor-seus-dois-maridos-de-jorge-amado-23377274]<br />
  
Para Joselia, a censura contra a obra de Jorge Amado foi mais rígida em Portugal do que no Brasil, ainda que durante o Estado Novo de Vargas (1937-1945) praticamente tudo o que ele produziu fosse proibido. Ela contou que na ditadura militar (1964-1985) os livros não chegaram a ser censurados da mesma forma, mas seus leitores eram vistos pelo regime como pessoas "subversivas".
 
  
  
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[[File:Logo25abril50anosleiturascensuradas.png|797px|center]]<br />
 
[[File:Logo25abril50anosleiturascensuradas.png|797px|center]]<br />
 
[[File:Wiki-nao-censurada-lapisazul.png|797px|center]]<br />
 
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JorgeAmadoFoto.jpg CapitãesAreiaLivro.jpg JAIlheus.jpg Gabriela.png

  • Jorge Amado (1912-2001)
Um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros de todos os tempos, sendo o autor mais adaptado para o cinema, teatro e televisão. É responsável por sucessos como Dona Flor e Seus Dois Maridos, Tenda dos Milagres, Tieta do Agreste, Gabriela, Cravo e Canela e Tereza Batista Cansada de Guerra. (In: Wikipédia)
  • Livro Proibido - Capitães da Areia
  • Excerto 1
Sob a lua, num velho trapiche abandonado as crianças dormem.
Antigamente aqui era o mar. Nas grandes e negras pedras dos alicerces do trapiche as ondas ora se rebentavam fragorosas ora vinham sé bater mansamente. A água passava por baixo da ponte sob a qual muitas crianças repousam agora, iluminadas por uma réstia amarela de lua. Desta ponte saíram inúmeros veleiros carregados, alguns eram enormes e pintados de estranhas cores, para a aventura das travessias marítimas. Aqui vinham encher os porões e atracavam nesta ponte de tábuas hoje comidas. Antigamente diante do trapiche se estendia o mistério do mar oceano, as noites diante dele eram de um verde-escuro, quási negras, daquela cor misteriosa que é a cor do mar à noite.
Hoje a noite é alva em frente ao trapiche. É que na sua frente se estende agora o areal do cais do porto. Por baixo da ponte não há mais rumor de ondas. A areia invadiu tudo, fez o mar recuar de muitos metros. Aos poucos, lentamente, a areia foi conquistando a frente do trapiche. Não mais atracaram na sua ponte os veleiros que iam partir carregados. Não mais trabalharam ali os negros musculosos que vieram da escravatura. Não mais cantou na velha ponte uma canção, um marinheiro nostálgico. A areia se estendeu muito alva em frente ao trapiche. E nunca mais encheram de fardos, de sacos, de caixões, o imenso casarão. Ficou abandonado em meio ao areal, mancha negra na brancura do cais.
  • Excerto 2
É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia: Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus cinco anos. Hoje tem 15 anos.
Há dez que vagabundeia nas ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço.
Ele ficou sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. Hoje sabe de todas as suas ruas e de todos os seus becos. Não há venda, quitanda, botequim que ele não conheça. Quando se incorporou aos Capitães da Areia (o cais recém-construído atraiu para as suas areias todas as crianças abandonadas da cidade) o chefe era Raimundo, o Caboclo, mulato avermelhado e forte.
  • Livro Proibido -São Jorge dos Ilhéus
Em São Jorge dos Ilhéus o autor aborda a miséria no cultivo do cacau no Brasil, assim como as relações sociais e políticas de exploração laboral.
[No Brasil],o romance mereceu dois relatórios de leitura. Em 1969, dezoito anos após a sua proibição, era levantada a interdição por negação da afiliação partidária e realce das qualidades literárias da obra, que “descrevia primorosamente a vida nas roças e na cidade, com todas as suas misérias”. Afinal, o autor não é comunista, retratava o relatório.
  • Excerto 4
De muito longe chegavam, quase impercetíveis, os passos dos homens que vinham. Antônio Vítor voltou-se para Raimunda — Tava de cabeça virada... Me meti até com mulher da vida... Te larguei aí como um resto...
— Tu fez bem, tu tava precisando, eu não tinha mais serventia, Tu fez bem, eu não tou com raiva...
ele riu, os passos agora soavam perto. Sob a luz da lua, enxergava os homens armados que andavam pela estrada. Eram doze, mas não fazia mal. Ficaram esperando que eles se aproximassem mais. Antônio Vítor sentia vontade, mais uma vez, de dizer aquelas palavras que não sabia, de fazer a Raimunda aquelas carícias que não conhecia. Só disse — eles já vem...
— Já...
Suspenderam as repetições, Raimunda disparou primeiro. Antônio Vítor não errou o tiro, o homem rolou na estrada. Os outros correram, saíram do caminho limpo, se meteram no mato, vinham por entre as árvores, localizavam Antônio Vítor e Raimunda, atrás da goiabeira. eles carregaram as armas de novo, Raimunda pôs o corpo para fora, levantou a repetição, fez pontaria no homem que se avistava entre as árvores. Atirou ao mesmo tempo que o outro, a sua bala se perdeu nos cacaueiros, a do homem acertou no peito de Raimunda, ela caiu de bruços sobre a terra. Antônio Vítor se curvou sobre ela, a mão se manchou de sangue — Munda!
Virou-lhe o rosto, ela sorria, sim, ela sorria! Da terra chegava um cheiro bom e forte, terra boa para o cacau. Não ia entregar a sua terra. Não, Munda, não entregaria!
Levantou-se, os homens estavam cercando a goiabeira. Apoiou a repetição no ombro, firmou a pontaria e atirou seu último tiro. Seu último tiro.


Foi assim que, desde cedo, o ódio encheu seu peito. Na casa-grande da fazenda ele só amara, na infância abandonada, a negra Felícia, único ser que o tratava com bondade. Horácio não o ligava. O coronel Maneca Dantas passava de quando em vez e o tomava no colo mas era um gesto sem carinho. Talvez que, se o dr. Jessé não houvesse morrido, ele tivesse um amigo, pois o médico por vezes o acarinhava e era terno com ele quando Silveirinha adoecia. Mas Jessé morrera há muitos anos e o rapazinho ficara órfão de qualquer carinho. No colégio interno não fizera amigos. Na Faculdade, com a revelação pública do incidente materno, se afastara de todos. Dentro dele vivia apenas o ódio, um ódio insatisfeito, escondido, que se revelava em pequenas maldades. Mas um ódio medroso, Silveirinha herdara todo o terror que enchia o coração de Ester jogada na mata amedrontadora. Contavam dele que certa vez esbofeteara um velho que vivia na fazenda e fora ferido numa perna, durante uma das brigas de Horácio. Ficara incapaz para o trabalho e vivia na fazenda, sem fazer nada, desde os barulhos do Sequeiro Grande. Silveirinha dera-lhe uma ordem qualquer e como o velho se recusasse a obedecer, meteu-lhe o braço, derrubando o aleijado. Horácio vinha vindo para casa e assistiu a cena. Apressou o passo, já tinha os seus setenta anos, mas ainda era pesada sua mão e no rosto do filho (rapaz de 19 anos) ficara a marca dos dedos do coronel.
  • Para saber mais:
'Capitães da Areia': o dia em que o Estado Novo queimou um dos maiores clássicos da literatura brasileira
Em novembro de 1937, uma fogueira insólita ardia na Cidade Baixa de Salvador, a poucos passos do Elevador Lacerda e do atual Mercado Modelo.
A fumaça subia da praça pública em frente à então Escola de Aprendizes de Marinheiro, hoje o comando do 2º Distrito Naval da Marinha brasileira. Militares e membros da comissão de buscas e apreensões de livros, grupo nomeado pela Comissão Executora do Estado de Guerra do governo, assistiam ao "espetáculo".
O fogo era um símbolo dramático do combate à "propaganda do credo vermelho", como definiram as autoridades do recém-instalado Estado Novo de Getúlio Vargas. Na ocasião, foram queimadas mais de 1,8 mil obras de literatura consideradas simpatizantes do comunismo.
O escritor e militante do Partido Comunista Brasileiro Jorge Amado é uma figura maior da literatura mundial.
In:[1]
  • Censura de Jorge Amado em Portugal
Enquanto realizava sua pesquisa em Portugal, Josélia [esposa de Jorge Amado] encontrou uma série de documentos e arquivos, como fotografias e recortes de jornais a respeito do escritor. Ela viu que, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, várias obras de Jorge Amado foram censuradas, como "São Jorge dos Ilhéus", em 1951, considerado um livro que explora as "desigualdades sociais, com vista aos triunfos comunistas". E ainda "Terras do sem-fim", no mesmo ano; "Capitães da Areia", em 1952; "Os subterrâneos da liberdade", em 1956; e "ABC de Castro Alves", em 1957.
Para Josélia, a censura contra a obra de Jorge Amado foi mais rígida em Portugal do que no Brasil, ainda que durante o Estado Novo de Vargas (1937-1945) praticamente tudo o que ele produziu fosse proibido. Ela contou que na ditadura militar (1964-1985) os livros não chegaram a ser censurados da mesma forma, mas seus leitores eram vistos pelo regime como pessoas "subversivas".
  • Livro "quase" proibido - Dona Flor e seus dois maridos

JorgeAmado2.jpg

"Romance cem por cento brasileiro de índole muito maliciosa". É assim que um censor português, durante o regime de Salazar, começou seu parecer em que aprovava a publicação de "Dona Flor e seus dois maridos", de Jorge Amado. O documento chamou atenção de pesquisadores por conta do tom de admiração do leitor-censor Estevão Martins pela obra do escritor baiano. Jorge Amado não era visto com bons olhos em Lisboa devido a sua relação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
"Porém a beleza da prosa e a delicadeza com que são apresentadas as brejeirices forçam-nos a uma certa condescendência favorável na nossa apreciação. Uma vez ou outra aparece uma palavra obscena, o que aliás está muito em voga nos escritores da atualidade", registou. Por fim, o censor defendeu a autorização para publicação da obra porque o produto é "volumoso e caro" e, portanto, não é acessível a "todos". In:[2]


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