Clímaco, Nita - Livros Proibidos

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Nita Clímaco
Nita Clímaco, pseudónimo de Maria da Conceição Clímaco Tomé, terá nascido na década de 20 do século XX. Jornalista e escritora, viveu em Paris, onde foi correspondente da revista “Eva”, e o tema da emigração marcou fortemente a sua produção literária.

A sua relação com a PIDE, no curto período da sua produção literária, é assinalável: a autora escreveu cinco romances (Falsos Preconceitos, 1964; Pigalle, 1965; O adolescente, 1966; A salto, 1967; A Francesa e Encontros, 1968), tendo os três primeiros sido censurados. Apenas um deles veio a conhecer uma segunda edição (Falsos Preconceitos, numa edição revista pela autora e publicada pela Galeria Panorama, em 1967, destinada ao Brasil) e nenhum pode ser encontrado à venda nem em editoras nem em pontos de revenda (todas as edições foram edições de autora). Todos os livros indicam Paris e Lisboa como locais de impressão, embora todos tenham sido impressos em Portugal.

Recepção/censura de Falsos Preconceitos

A obra, cujo mês de publicação não consta da ficha técnica, foi interdita por despacho no dia 7 de Agosto de 1964. O parecer da PIDE diz o seguinte, de acordo com Cândido de Azevedo1:

Trata-se das aventuras de uma portuguesa que é convidada por uma amiga francesa a passar uns meses em Paris.

Tanto essa amiga como aqueles que a rodeiam são homossexuais.

Dada a imoralidade que o livro revela, julgo que não é de molde a ser autorizada a sua circulação no País. (p. 113/114)2

Para além disto, no relatório concernente a O adolescente, a PIDE viria a considerar que esta obra, assim como Pigalle, se pautava por uma “extrema imoralidade” (Azevedo, 1997, p. 116). A proibição da PIDE, pela existência de relações homossexuais existentes na obra a que a própria se refere no parecer, seria previsível à partida. Afinal, o Estado Novo reprimia todas as manifestações de homossexualidade, considerando esta orientação sexual não só imoral mas também criminosa (viria a ser descriminalizada apenas em 1982). Assim, pelas descrições da obra, seria expectável que o regime tentasse escondê-la. A homossexualidade era um assunto tabu e nenhuma obra que a referisse, ainda que levemente, poderia passar pelo crivo da censura.

No entanto, e ainda que tenha uma relação homossexual a guiar a narrativa, o facto é que esta obra é profundamente conservadora e discriminatória, chegando a ser favorável ao que o Estado Novo apregoava. Ainda que, inicialmente, pareça querer opor a ideia de um Portugal socialmente tacanho, preso a uma moral católica, à de uma França moderna e aberta (fazendo-o, neste caso, através das considerações das próprias personagens em relação à sexualidade e à orientação sexual), acaba por condenar as relações homo-eróticas e por sugerir que Paris é um terreno de imoralidade, contrastando com Portugal. Para mais, a homossexualidade chega a ser perspectivada enquanto doença, na medida em que chega a falar-se de uma cura: “Tentei curar-me, mas nunca o consegui” (p. 107), diz Eric. Ao mesmo tempo, é vista como uma anormalidade pela protagonista, que quer impedir que Eric volte “às práticas de um amor anormal” (p. 112).

Para além disto, há uma clara diminuição qualitativa das relações homossexuais entre mulheres, sempre descritas como insuficientes: “[Eric] representava a concretização dos carinhos e das práticas incompletas em que Monique a tinha viciado e excitado, mas que apenas haviam servido para a enervar, para tornar maior a sua vontade de amar, de se iniciar nos verdadeiros carinhos, de se entregar por inteiro aos prazeres do amor, dum amor sem limites e sem sentidos proibidos.” (p. 111). Para além da relação homossexual ser encarada como proibida, é ainda considerada limitada e limitante: só as relações heterossexuais poderão ser de um “amor sem limites” e só com elas os amantes podem entregar-se “por inteiro aos prazeres do amor”. Esta ideia vai ainda de encontro à de uma ideologia patriarcal, pensando a sexualidade tendo os homens como referência. Neste caso, o papel das mulheres, mesmo numa relação homossexual, é considerado secundário, parecendo nem sequer passar obrigatoriamente pelo sexo: por ser considerado limitado, assume-se na narrativa que as relações homossexuais entre mulheres são sempre vilipendiadas em relação às outras, sejam elas homossexuais entre homens ou heterossexuais.

Seja por via das descrições das relações homossexuais, condenadas e diminuídas, ou pelo culminar da construção de uma personagem que inclui um negócio de realização e distribuição de filmes pornográficos, Paris, que é inicialmente apresentada como uma cidade moderna e livre, acaba por ser vista, à luz da narrativa, como um lugar de perversões, sem regras nem moral. Claro, esta descrição acaba por ser contraposta à de Portugal, outrora descrito como provinciano (no início da narrativa), mas finalmente apresentado como o lugar onde não ocorre a “libertinagem de Paris” (p. 152).

Os “falsos preconceitos”, a que Monique se refere algumas vezes, tratando ainda Mariana por “Mademoiselle Faux Prejugés” (p. 149), não seriam, assim, falsos, mas antes uma forma válida, e certeira, de se nortear moralmente as acções quotidianas. Os preconceitos, desta forma, apresentados como enraizados na cultura portuguesa, contrastariam com a devassidão que é, na narrativa, associada a França. Aliás, é a própria Monique quem o diz a Mariana: “Talvez sejas tu que tenhas razão, e que os teus preconceitos de portuguesa, que me fizeram rir, sejam justos e verdadeiros” (p. 148). Desta forma, aquilo que inicialmente é visto como tacanhez cultural é, no final da narrativa, o caminho para “o carácter”, ou não se acusasse Mariana “[d]a sua leviandade, [d]a sua falta de vontade e de carácter” (p. 151), estando a linha de fundo da narrativa não só moralmente próxima da apregoada pelo Estado Novo, mas também ao serviço da sua política anti-emigração, já que, apresentando o que existe fora de barreiras como imoral e promíscuo, ajuda a quebrar, no quarto ideológico e moral do regime, os incentivos para a saída do país.

Para saber mais sobre as obras das autoras portuguesas censuradas pela PIDE, clique aqui.

1Azevedo, Cândido de (1997). Mutiladas e Proibidas. Para a história da censura literária em Portugal nos tempos do Estado Novo. Porto: Caminho.

2 Infelizmente, não se conseguiu apurar a fonte usada por Cândido de Azevedo. No serviço electrónico de busca de processos individuais da PIDE da Torre do Tombo, não consta o nome de Nita Clímaco. Para mais, a documentação da censura a livros que deu entrada no Arquivo Nacional proveniente da Biblioteca Nacional não está completa, faltando inúmeros relatórios. Assim sendo, não é possível aceder a vários, incluindo todos os referentes a Nita Clímaco, através da pesquisa na página online da Digitarq.

Falsos Preconceitos

  • Excerto 1
De facto, é preciso ser português para compreender, para interpretar, o sortilégio do nome Paris. Na verdade, para os portugueses, o mistério e o encanto da capital da Luz começa desde a mais tenra infância, quando, para lhes ser explicado o enigma do nascimento, lhes é respondido, à indiscreta pergunta, que “vieram de Paris”.
Assim, comparando a explicação da “couve” tão grata às crianças francesas, Paris representa para as crianças portuguesas o mais belo e poético sinonimo de mistério e de desconhecido. E, a partir da juventude, o segredo encantador de Paris é diariamente aumentado: as riquezas do Louvre ou do Museu do Homem, que inundam todos os manuais escolares portugueses; os filmes que evocam os recantos mais pitorescos de Paris; mais tarde, a atracção da beleza dos seus manequins de alta costura; os vestidos elegantes e o luxo das sumptuosas festas na Ópera ou em Versalhes; o fruto proibido do espectáculo das “Folies Bergères” ou do “Casino de Paris”, os seus nus e canções atrevidas de duplo sentido;
  • Excerto 2
Nessa noite, quando Mariana chegou a casa para se deitar, a sua antiga cama estava feita, e Monique disse-lhe num tom seco:
- Como estou um pouco constipada, o melhor é passarmos, outra vez, a dormir cada uma na sua cama!
Mariana ficou satisfeita, porque começava a achar insuportáveis as carícias de Monique, cada vez mais positivas e menos platónicas.
Mariana vivia agora só para Eric e o seu amor era apenas contrariado de quando em quando – mas poucas vezes – pelos remorsos sentidos com o aparecimento, na sua memória, da imagem, cada vez mais longínqua, do simpático e bondoso Dr. Filipe.
  • Excerto 3
“Tens a certeza de que poderás fugir à atracção de Eric? Tens a certeza que não lamentarás, amanhã, a decisão que hoje queres tomar? Tinham razão os teus amigos quando te intitulavam “Mademoiselle faux préjugé”!... Lembras –te das tuas noites com Monique? Desculpavas-te a ti própria, afirmando que durante esse período da tua vida nunca tinhas tomado iniciativas e que te limitavas a “sofrer” os assaltos de ternura de Monique. – Mas serás capaz de afirmar que esses “assaltos de ternura” como “inocentemente” tu os classificavas – te não deram prazer e que te não acalmaram os nervos excitados pelos teus primeiros beijos de amor, pelos beijos do Dr. Filipe?

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