Brandao, Fiama Hasse Pais - Livro Proibido

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Fiama Hasse Pais Brandão (1939-2007)

Escritora, ensaísta e tradutora

Fiama Hasse Pais Brandão (1939-2007) viu algumas das suas obras censuradas pela PIDE. O Testamento (1962) foi proibido no dia 2 de Setembro de 1963; O Museu, publicado em 1962 na colectânea Novíssimo Teatro Português, foi proibido no dia 6 de Maio de 1965; A Campanha, O Golpe de Estado e Auto da Família, publicadas no mesmo volume que Diálogos dos Pastores, foram proibidas em 1965; Quem move as árvores foi proibida no dia 8 de Abril de 1970, tendo depois sido editada em livro em 1979.
https://www.esquerda.net/dossier/fiama-hasse-pais-brandao-censura-de-o-testamento/63404
"A peça “O Testamento” Fiama Hasse Pais Brandão sugere que não pode haver espectadores na vida, que toda a gente tem de intervir em tudo o que à vida pública diz respeito, e é por isso que peça e vida se confundem.Publicada em Dezembro de 1962, a obra O Testamento (1962) foi proibida no dia 2 de Setembro de 1963, tendo assim aguentado quase um ano longe das mãos censórias. Foi proibida pela Direcção Geral dos Serviços de Espectáculos e não há, nem nos registos da Torre do Tombo deste órgão nem no ficheiro da PIDE de Fiama Hasse Pais Brandão, qualquer nota ou relatório com os motivos da proibição. Contudo, é uma obra que representa a rejeição da constituição de 1963, que idealiza a igualdade perante a lei e perante as oportunidades na vida

A poetisa publica, no ano de 1965, o volume Diálogo dos pastores, coletânea em que foram censuradas as obras A Campanha,O golpe de Estado e Auto da família. A Campanha é uma peça com o intuito de denúncia da repressão salazarista, com evidentes relações com a guerra colonial portuguesa, que se desenrola entre 1961 e 1974; O golpe de Estado, escrito em 1962, foi apenas publicado em 1965, ano da sua proibição. As três peças foram consideradas pela PIDE inconvenientes, por serem de cariz irónico e humilhante para as instituições militares e para as figuras históricas portuguesas.
Em 1970, ano em que publicou o livro (Este) Rosto, também publicou Quem move as árvores, obra pela qual lhe foi atribuído o Prémio Maria Matos46 em situação de igualdade (ex-aequo) com a peça Um mundo aparte, de João França. No entanto, este livro é proibido pela PIDE, no dia 8 de abril de 1970.
A instabilidade do contexto político, em 1970, devia-se ao facto de António de Oliveira Salazar ter falecido, ainda que já se encontrasse afastado do comando do governo de Portugal desde 1968. O Estado Novo português estava a ser liderado por Marcelo Caetano. Fiama Hasse Pais Brandão, ao escrever o livro (Este) Rosto, presta homenagem a José Dias Coelho, artista assassinado pelo regime político português, transformando o artista em semente, revitalizando-o através do legado que ele deixa às novas gerações. O poema Suave sob cômoro de (Este) Rosto, para além de homenagear José Dias Coelho, apresenta também a consciência e a visão histórica de Portugal, que acompanha as obras da poetisa. Através da intertextualidade, ela consegue relacionar os acontecimentos históricos (o enterro de José Dias Coelho) com conhecimentos literários (poema Em este retrato, de Camilo Pessanha) (Silveira, 1986).
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/61164/1/ulfldsamaral_tm.pdf

O Testamento


  • Excerto 1


MARIDO 1
É verdade, não temos. Somos apenas espectadores, felizmente. Não gostamos nunca de nos meter em complicações. Não há nada mais cómodo do que ser espectador, num bom fauteil, é claro.
MULHER 1
Felizmente somos ricos. Compramos sempre bons lugares, belos estofos, confortáveis. Temos uma vida muito agradável. Dinheiro não nos falta. Podemos comprar lugares para todos os espectáculos. A questão é que não nos venham com coisas tristes nem maçadoras. Já que temos dinheiro, queremos divertir-nos.
MARIDO 1
Não nos venham com mortes, nem com misérias, nem com outras coisas que façam pensar. Nós não pensamos nem sentimos; distraímo-nos, sentados nos nossos fauteuils de veludo, a ver os outros andarem sem saber que jeito hão-de dar à vida.

MULHER 1
Agora é que está mesmo na hora.
MARIDO 1
Entremos, pois, entremos. Vamos lá ver como é que o João se sai.
(Entram na parte do palco que é o teatro: um pequeno palco, cadeiras de plateia. Sem luz.)


  • Excerto 2


(Música. Deve ter ritmo de marcha. PAUSA. Entra o Encenador, com as personagens que na cena anterior tinham saído para salvar o mundo. Todos à boca de cena.)
ENCENADOR
Minhas senhoras e meus senhores, o espectáculo vai prosseguir, pois os actores estão de novo em cena. Regressam afortunadamente sãos e salvos, se bem que tenham sofrido alguns dissabores. Não conseguiram ainda levar a cabo a sua missão, pois um mal-entendido inesperado os fez desistir provisoriamente. Foram apedrejados e insultados. Um homem ergueu-se de entre a multidão e falou por todos. Falou do ódio, da fome e do medo. Estes senhores tiveram de regressar sem terem ainda cumprido a sua missão. Houve um erro, um equívoco tremendo. Aquele homem que ali vêem, bem, é difícil e ingrato de explicar… Por amor à humanidade, por amor à humanidade…, estes senhores… para tranquilizar a população…encarregaram-me de o enforcar. Desconheço os motivos, é claro, mas, apesar de ser o Encenador, em momentos graves como este obedeço apenas. Compete-me descobrir o melhor processo de executar as ordens. Enforquei-o num guindaste para não trair a actualidade. Um guindaste é a forca ideal do século vinte.
Bem, podemos continuar o espectáculo. Estes senhores vão agora proceder à inauguração.
(Sai.)


No link:https://www.esquerda.net/dossier/fiama-hasse-pais-brandao-censura-de-o-testamento/63404:

Informação da PIDE

No ficha de Fiama na PIDE, encontram-se algumas informações sobre a sua actividade política. O primeiro data de 1965, ano em que viu três das suas peças de teatro censuradas, e informa sobre a subscrição de um pedido de amnistia:


EM 20-4-965

Subscreveu com outros, nesta data, um apelo a Sua Exª. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para que fosse concedida uma amnistia aos presos que consideram políticos, mas que são apenas comunistas.


Doc. Arquivado em. P. AMNISTIA


Datado do mesmo ano, existe ainda um documento sobre a adesão da autora à “comissão de apoio à candidatura da oposição democrática”:


FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO – escritora


O epigrafado aderiu à “comissão de apoio à candidatura da oposição democrática”, com vista à eleição de deputados a realizar em 7 de Novembro de 1965, conforme se verifica dum recorte do Jornal “Diário de Notícias”, de 16 de Outubro de 1965, que se encontra arquivado na Pasta C- Eleições para Deputados – 1965 (Círculo de Lisboa).


Porto, S.R., 19 de Outubro de 1965


Em 1968, foi escrita uma nota informativa que dá conta da sua acção no movimento estudantil, de uma subscrição de um documento, da sua pertença à “oposição democrática” e da assinatura da revista “Seara Nova”:


INFORMAÇÃO


1 de Abril de 1968


“Em 1962, solidarizou-se e apoiou as actividades dos estudantes da Academia de Lisboa na luta pelas reivindicações que culminaram com a chamada “crise académica”.

Em 1965, subscreveu uma exposição dirigida a Sua Excelência o Presidente da República requerendo uma amnistia geral para os presos políticos.

Ainda no mesmo ano, aderiu à comissão de apoio à candidatura da “oposição democrática” pelo círculo de Lisboa, para as eleições dos deputados.

É assinante da revista “Seara Nova”.


Um outro documento informa sobre a detenção da autora, que durou algumas horas, ocorrida enquanto esta fazia uma greve de fome no decorrer da mencionada “crise académica”:


Em 11-5-962 – Foi detida pela PSP na Cantina da Cidade Universitária de Lisboa, quando fazia a greve da fome.

Deu entrada nas dependências daquela Polícia, na Parede, sendo solta ao fim deste dia.


Finalmente, existe ainda um documento identificativo, que não está datado, mas que corresponde à época em que a autora era estudante de Filologia Germânica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e no qual constam algumas das suas informações pessoais:


Nome – FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO


- Solteira

- Estudante da Faculdade de Letras

- Nascida a em Lisboa

- Filha de Gustavo Wilson Perey Brandão e de Carmem Pereira de Vasconcelos Hasse Brandão

- Residente, na Rua de Malpique, nº. 2-1º Dto – Lisboa



O Testamento (1962)