Gomes, Manuel Teixeira - Livros Proibidos

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*Novelas Eróticas


Tenho ainda nos dedos a impressão que me deixou a pele tépida daquele corpo delicioso, à medida que o ia explorando; e nos lábios, na face, a doçura dos seios agudos e prodigiosamente elásticos… Logo começou o grande duelo de amor, no qual cada um de nós se empenhava em dar melhores provas de valor e resistência. Não sei como, numa das “reprises” acudiu-me a ideia de que era o corpo da minha casta companheira da tarde que eu cingia nos braços, i isso me incutiu novo e estranho ardor. Notou-o a cigana e disse:
- Que amoroso eres, querido.
Entretanto outra ideia me germinava no cérebro, que eu repelia como se fosse um crime, um sacrilégio, mas que acabou por me dominar completamente. Se a minha noiva estivesse no lugar da cigana! Como eu lhe fazia expiar, no seu corpo delicado, de rosas e açucenas, contra terra dura, todos os tormentos que os seus caprichos, os seus desdéns, a sua maldade, me haviam infligido! Ali, contra a terra dura, apertada nos meus braços, que lhe esmagariam a carne, como se fossem de aço, nos espasmos da luxúria. Ali… Mas a cigana, assustada, exclamou:
- Pero que te passa, niño…Que malo eres… me haces daño. Si, que me matas…- e logo, desfalecida: - Alma de mi vida…que me muero…
Acordei já com o sol alto, julgando que a cigana ainda me beijava. Era um cão perdigueiro que me lambia a cara. A cigana desaparecera…

“A Cigana”

- Júlia, minha querida Júlia – e ela de repente me perguntou: - Mas como é que sabe o meu nome? – foi então, e só então, que eu caí em mim, adquirindo a consciência do que se passara. Ela era o retrato vivo e exactíssimo de uma Júlia de quinze anos que eu, muito em rapaz no Porto, amara e desejara ardentemente, não lhe tendo alcançado as primícias porque ela me as recusasse, mas porque as circunstâncias o haviam impedido. A sua inesperada aparição, no deslumbrante quadro de luz que a envolvia, acendera essas recordações com vigor que sem me aperceber do absurdo, ou eliminando-me por gravoso, eu apertava nos braços a rapariga como se fosse a mesma Júlia de vinte anos atrás…
(…) Júlia era com efeito o seu nome, mas no Algarve salvo o amante ninguém mais o sabia. Chamava-se agora Marta, e havia razões especiais que a impediam de usar o outro nome. Ela era natural do Porto e fora, novinha, atirada para a desgraça, de onde o José Cravo a libertara, livrando-a ao mesmo tempo dum mau passo em que involuntariamente caíra, e a obrigara a mudar de nome. Ouvindo-me chamar-lhe Júlia imaginou que eu a conhecera nalguma casa mal afamada, e não se atrevera a resistir, do que já estava arrependida, pois sempre fora fiel ao amante, a quem devia gratidão; além disso ele era capaz de a matar, só que suspeitasse da traição.
Enquanto falava parecia estudar-me o rosto a preceito; por fim o sorriso voltou-lhe aos lábios e começou a olhar-me com simpatia. Disse-lhe então que tencionava ir passar dois ou três dias aos Pegos Verdes, na semana em que entrávamos, e lá teríamos ensejo de conversar largamente sobre o passado e o presente, mas na certeza de que eu não desistia, fosse qual fosse o risco de continuar os deliciosos momentos daquela manhã, salvo se ela sentisse por mim qualquer invencível repugnância e se negasse terminantemente a satisfazer o meu desejo. Protestou com veemência contra a ideia da “invencível repugnância” e para o provar beijou-me na boca, mas entrevia tanto empeço para renovar os nossos encontros que os julgava impossíveis.
- Mas tu podes voltar aqui ao escritório.
- Não sei; isto foi um acaso; e já me ia esquecendo o motivo que cá me trouxe. O meu homem aqui manda esta continha do pedreiro que trabalhou no “monte” e que ele não quis dar ao Sagreira porque não se entendem…
(…) Os meus beijos de despedida foram de fogo, mas ficou-me a impressão de que aqueles com que ela correspondia não eram menos ardentes…

“O Sítio da Mulher Morta”, Novelas Eróticas,

Eu não me lembro de ter, em toda a minha vida, horas de tão cruciante angústia como as que se seguiram a esta cena. A tensão nervosa era tal que o corpo todo me doía. E afligia-me, sobretudo, a impossibilidade de tomar qualquer resolução definitiva. Raptá-la? A atonia cerebral era completa: na cabeça, mais vazia do que uma esfera de vidro, perpassava em letras de fogo a mesma frase obcecante: tudo menos perdê-la. E com tudo isto a impertinente alegria da festa que não acabava: a sanfoninada música das harmónicas; os gritos das raparigas extenuadas que os lapuzes arrastavam para a dança; o falatório aldrabado dos velhos avinhados…
Tudo menos perdê-la!...
(…)
Sentei-me à mesa, mas sem tocar em prato algum, a abri um livro com tão expressa vontade de ler, para me distrair (para sair de mim mesmo) que realmente consegui fazê-lo, e ainda hoje recordo as páginas que li, com frases que sou capaz de repetir. Porém fez-me-se no pensamento um tão completo desdobramento, que a leitura atenta o não impedia de conjecturar o que sucederia a Júlia, e o que me sucederia a mim mesmo, se persistisse a loucura que me atacara. Não que eu acreditasse em mortes, em tiros…
E justamente neste ponto do meu monólogo ouvi um tiro. – Quem diabo se entreterá a estas horas a dar tiros? – observei aborrecido mas sem por sombras ligar o que ouvira com o caso da júlia. E continuei lendo e considerando: - Raptá-la? E depois? Mas o José Cravo não seria homem que por dinheiro entrasse nalguma combinação amigável?... – esta ideia como que me aliviou. – Ele não há-de ser tão mau como o pintam…

“O Sítio da Mulher Morta”, Novelas Eróticas