Quintinha, Julião

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Julião Quintinha
Silves, 19/12/1885 - Lisboa, 23/07/1968.

Escritor. Jornalista. Alfaiate. Maçon.
  • Excertos retirados da obra de Julião Quintinha Novela Africana” publicada em 1933

É tempo da África deixar de ser uma mórbida prece, rezada em ladainha saudosista pelos lábios dos que só vivem do passado, para se transformar em sinfonia apoteótica de trabalho organizado...
(...)
Todos os portugueses devem meditar em que Portugal não é, apenas, essa pequena faixa retangular à esquina da Europa, com pouco mais de 89 mil quilómetros quadrados e 6 milhões de habitantes, mas uma grande nacionalidade enraizada e firme nos mais diferentes lugares da terra, de inigualável situação geográfica no Atlântico e no Índico, com territórios de uma superfície de 2 milhões e 200 mil quilómetros quadrados e população superior a 15 milhões de indivíduos! Este é que é o verdadeiro e exato Portugal, construído e mantido por portugueses de todas as eras. Mas que a sua natural grandeza não sirva para alimentar a inútil e quixotesca balada de um Portugal Maior, e sim dum Portugal Melhor. Grande já é, pela sua extensão geográfica e tradições morais. O preciso é torná-lo útil, aproveitando os seus recursos para o integral cumprimento dos deveres ante a Civilização e as leis da Humanidade, de modo que estejamos tão dentro do nosso tempo, olhando de frente o futuro...
(…)
Sete dias de viagem! Mas teria valido a pena viajar todos estes dias, só para assistir ao espetáculo soberbo que hoje desfrutei ao pôr do sol. Imaginem neste mar imenso, contido em gigante concha, sobre a qual descai a abóbada de cristal azul, à hora do entardecer, o que foi um poente rubro, incandescente, sanguíneo-dourado, descendo lentamente, tragicamente, para o túmulo do mar...
(…)
A meio da descida passaram nuvens diante do disco em brasa, e salpicaram-se de ouro, de pérola, âmbar, rubi, e alastraram num friso horizontal, onde se esculpiram esquisitos desenhos e figuras – fantástica visão dos funerais do sol, em que se incorporaram cavalgadas de beduínos, dragões flamantes, estandartes multicolores, tons fulvos e quentes de granada e oiro...
Quando o disco mergulhou, a fita de espuma que o navio desenrola no seu rastro, era uma estrada de rara pedraria. Em todo o mar, no céu, dentro do navio e dentro dos meus olhos, pairavam clarões de incêndio, de belas jóias rubras.
Todos os catos, cravos, rosas, as mil flores vermelhas e as bocas escarlates; todas as púrpuras e brocados dos cardeais; oiro, ferro, bronze, cobre e outros metais incandescentes; os mil topázios, safiras e rubis; o sangue dos torneios e touradas, as cores de Castela e do sultão de Zanzibar – e mais o rubro dos altos fornos, e das crateras dos vulcões – a tudo isto era semelhante esse indescritível poente que tingia o mar, enchendo-me de espanto e comoção...
(…)
Às vezes, nessas horas calmosas, vão aos bazares lindas mulheres da terra – como essa que um dia encontrei, bela mulata de carapinha loira, um negro sinal na face, olhos pintados de azul, panos cor de rosa, os pés descalços, e na cabeça, a esvoaçar, um lenço de tecido oriental... (…) Lá dentro, numa casa interior forrada de esteiras, dançam duas pequenas negras, esbeltas, nuas, bastante belas para terem direito de se exibir. Em redor homens de diversas raças, negras no colo, gritam excitados, aplaudem os meneios da dança, e mal se respira nessa atmosfera de tabaco, cerveja e aguardente de cana.
Um marinheiro americano, muito bêbado, veio beijar nos bicos dos seios a mais nova dançarina; e uma negrita da Ilha do Fogo, toda ela labareda, enleia-se num jovem embarcadiço grego, segredando-lhe entre beijos: – ‘Nhâ crêtchêu, bu ôdjo ê cuma dôs estrela preto’ (meu bem, teus olhos são estrelas negras). E a dança prossegue cabouca e perversa, estorcimentos de rins, ancas deslocadas, peitos erectos e um roçar de coxas que põe ao rubro o ambiente, como se estrebuchássemos num vulcão de vício...
(...)
Madagraça, a linda bailadeira, parou a dança porque o hércules de bronze lhe arrebatou, brutalmente, a companheira. E ela tombou a descansar num farrapo de tapete, graciosa e provocante, nua, esplêndida desde os finos artelhos até à carapinha, modelo de rara perfeição...
(…)


  • Notas Biográficas


Julião Quintinha começou a trabalhar jovem, em Silves, na sua terra natal, como operário, e mais tarde como alfaiate, com estabelecimento aberto até à implantação da República. Paralelamente, ainda jovem, iniciou as suas atividades jornalísticas a dirigir o jornal Alma Algarvia, conjuntamente com Henrique Martins, seu conterrâneo e, como correspondente de órgãos republicanos de Lisboa. Entre 1912 e 1914 foi administrador dos concelhos de Portimão e Silves e a partir dessa data até 1920, chefe de secretaria da Câmara Municipal de Silves, altura em que veio para Lisboa para se dedicar totalmente ao jornalismo. Nesta área foi editor da revista Seara Nova, subchefe de redação do jornal República, chefe de redação do Diário da Tarde, Diário da Noite, Jornal da Europa e ainda colaborou com as publicações Alma Nova, A Batalha, Contemporânea, O Diabo, Diário do Alentejo, Diário Liberal, Diário de Lisboa, Diário Popular, Mala da Europa, O Século e Voz do Sul, nomeadamente, com reportagens sobre África que foram muito aplaudidas. Simultaneamente foi também por várias vezes dirigente de associações de jornalistas. Como escritor escreveu contos, novelas, peças de teatro, estudos literários e ensaios, de que salientamos A Solução Monárquica do Sr. Alfredo Pimenta (1916), No Fim da Guerra. Comentário político (1917), o seu primeiro livro de ficção Vizinhos do Mar (1921), Terras de Fogo (1923) África Misteriosa – Crónicas de Viagem (1928), Ouro Africano – Crónicas de Viagem (1929), o esboço histórico A Derrocada do Império Vátua e Mouzinho de Albuquerque (1930), Terras do Sol e da Febre – Reportagem em Colónias Estrangeiras (1932), Novela Africana (1933) e os estudos literários Imagens de Actualidade (1933). A Agência Geral das Colónias atribuiu-lhe em 1928 o terceiro lugar à sua obra África misteriosa; o segundo lugar, em 1929, ex-equeo com Augusto Casimiro; e a primeira categoria, em 1930, com A Derrocada do Império Vátua, em co-autoria com Francisco Toscano, sendo um dos autores mais agraciados nos concursos literários.
Em Portimão foi iniciado na Maçonaria onde escolheu o nome simbólico de Danton. Durante o Estado Novo teve alguns problemas com a PIDE e apoiou as candidaturas goradas de Cunha Leal e de Ferreira de Castro, em 1958, antes de se confirmar a candidatura de Humberto Delgado. E na década de cinquenta do séc. XX era frequentador habitual da tertúlia da Pastelaria Veneza, em Lisboa, com Ferreira de Castro, Luís da Câmara Reis, Roberto Nobre e Augusto Casimiro. Integra a toponímia de Lisboa. in:https://toponimialisboa.wordpress.com e https://pt.wikipedia.org/wiki/Juli%C3%A3o_Quintinha



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  • Bibliografia:

- Terras do Sol e da febre : impressões do Congo Belga, África Equatorial Francesa, Transvaal, Nyasaland, Tanganyka, Zanzibar, Mombaça, Adem e Egipto (1900)
- Assistência à mendicidade (apreendido pela Censura) (1915)
- "A solução monárquica" do senhor Alfredo Pimenta (1916)
- No fim da guerra: um sonho (publicada postumamente) (1917)
- Visinhos do mar (publicada postumamente) (1921)
- África misteriosa: crónicas e impressões duma viagem jornalística nas colónias da África Portuguesa ((1928)
- Oiro africano: crónicas e impressões duma viagem jornalística na áfrica Oriental portuguesa (1929)
- A derrocada do império Vátua e Mousinho d' Albuquerque co-autoria com Francisco Toscano(1930)
- Imagens de actualidade (1933)
- Novela africana (1933)
- Figuras das guerras de África (1936)
- Rescaldo da guerra: através do "Livro Branco" co-autoria com Manuel de Brito Camacho 1936)
- Oiro do Rand (1936)
- Reis negros (1938)
- Manica e Sofala (1938)
- Terras de fôgo: novelas
- Cavalgada do sonho : novelas

Pode saber mais sobre Julião Quintinha nos seguintes links:

https://www.academia.edu/43761384/As_ilhas_de_S%C3%A3o_Tom%C3%A9_e_Pr%C3%ADncipe_na_narrativa_de_viagem_de_Juli%C3%A3o_Quintinha_1925_1927_