Penedo, Leão

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  • Leão do Nascimento Penedo

Faro, 13/08/1916 - Lisboa, 22/01/1976

Escritor. Jornalista. Argumentista. 
  • Excerto de Caminhada

«A tísica é a doença da fome», dissera o compadre Tomás. E era, sim senhor. Sem farturas de dinheiro, que há-de um pobre fazer senão apertar a barriga? Lembrava -se perfeitamente do António Ricardo, sadio, a vender saúde. Enquanto conheceu trabalho certo, muito bem; lindas cores na cara. Depois, bastaram dois anos de dificuldades para ficar reduzido à pele e aos ossos. Bacias de sangue umas atrás das outras, e lá se foi ele, António Ricardo, e logo a seguir os cinco filhos, três rapazes e duas raparigas, uma delas de quinze anos, bonita e de olhos azuis como um anjo. «E assim se desfaz uma casa», pensava a Rita. Restou a mulher, sim, restou, mas o que é uma mulher sozinha dentro de quatro paredes, uma mulher que já foi mãe e que assistiu à partida do marido e dos filhos sem nada conseguir fazer por eles? Com o sonho na estiva, o China não falava doutra coisa: - Para o mês que vem, hã, mãe? Ela calada. Percebendo descontentamento nos silêncios da mãe, o rapaz, em vez da estiva, passou a referir-se apenas ao dinheiro que contava ganhar. - Com o dinheiro da primeira jorna compro-lhe um xaile de lã. Não acha bem? - Acho, sim ... -- dizia a Rita; faltas de dinheiro tinha-as e de que maneira, mas o seu filho na estiva, senhores, isso não, não e não! O Manel ria-se à sucapa das maluqueiras do irmão: – Se calhar cuidas que te vão contar todos os dias! És parvo! - Não sei porquê! Desde que eu trabalhe bem e não refile com os encarregados! ... Com o Manel em casa, era raro o momento em que não discutiam, cada um com o seu feitio, e a mãe de permeio, inquieta, a deitar água na fervura: - Está bem, está bem! Guardem isso para mais tarde! Pareciam cão e gato à bulha. Às vezes, o Manel ameaçava o irmão com duas bofetadas. - Atreve-te! - exclamava a Rita. -- Atreve-te e logo vês! (pp. 104-105)

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  • Excerto de Multidão

O pai sabe lá os meus afazeres! -desculpou-se o Carlinhos, apertando a mão que o José António Gomes lhe estendia - Sempre forte, não?
O homem rebusnou logo:
- Nem por isso, nem por isso... Esta cambada dos operários tira-me cem anos de vida! Um dia, vocês vão ver!, faço como o meu antigo patrão. Lembras-te, Amadeu ?
Amadeu Areosa enrugou o nariz. Aquelas recordações do José António eram sempre enxovalhantes para o seu brio de patrão.
- Sei lá a que te referes...
- Pois eu nunca mais esqueço! Pegou numa tranca e aquilo foi como a graça de Deus! Apanharam todos!
O Carlinhos abriu-se numa gargalhada.
- Belo remédio, heim ?
O campainhar do telefone cortou outra possí vel rabujice de José António Gomes. Aproximando-se da secretária, Amadeu Areosa atendeu a chamada.
- E da sua espôsa... -- aflautou a emprega dita do P. B. X..
Amadeu Areosa sentiu que as fôrças desertavam para longe. A sua Alzira a telefonar-lhe ? Que se lembrasse, era a primeira vez que a mulher deitava mão ao aparelho para palestrar consigo. Teria ela descoberto as suas relações íntimas e secretas com a Arlette? E estremeceu mais, sacudido pelo vento da vergonha e do mêdo.
- És tu, Amadeu?... - inquiriu ela do outro lado do fio.
As palavras baralhavam na boca de Amadeu Areosa, mas, mau grado os esforços feitos, não conseguia articular o menor som.
- És tu, Amadeu?... - repetiu mais alto a D. Alzira -- raio do telefone parece que não funcional... Estás a ouvir, Amadeu ?...
Num esfôrço, que mais tarde considerou grandioso, Amadeu Areosa, olhos postos no sócio e no filho, vermelhusco, receando que eles notas sem o seu embaraço, aproximou os lábios do bocal e preguntou num bafo de voz:
Estás a falar comigo, Alzira ?...
- Ainda bem! -- gritou ela — Pensei que o telefone estivesse escangalhado!...
Voltando as costas ao filho e ao sócio, Ama deu Areosa fechou os olhos, disposto a ouvir um desabamento de frases coléricas e bem mereci das. Grande, porém, foi o seu contentamento quando a mulher disse :
- Estava morta por te dar uma novidade... Fui nomeada presidenta da nossa associação humanitária ! Agora, se Deus Nosso Senhor nos der a sua divina ajuda, havemos de espalhar a verdadeira caridade em todos os lares desprotegidos. Estás contente, Amadeu ?...
- Se estou, Alzira!... - exclamou o homem num espasmo. — Mas porque nos deram essa honra, filha, porque foi ?...
-Quem pode adivinhar os desejos de Deus ?... - A voz da D. Alzira adelgaçou-se mais (...) (pp.120-121)

  • Notas Biográficas

Leão Penedo frequentou o Liceu de Faro que concluiu com distinção, seguindo depois para Lisboa e ali se tornou jornalista e escritor de mérito. Este farense que, conjuntamente com outros algarvios, integrou o movimento neorrealista, como Assis Esperança (Faro), Manuel do Nascimento (Monchique) e Vicente Campinas (Vila Real de Santo António), destacou-se em diversos géneros literários como a novela e o romance, e ainda no teatro e o cinema, como argumentista. A sua obra impregnada de realismo faz de Leão Penedo um dos mais ativos algarvios do neorrealismo tendo-a utilizado para denunciar situações de miséria e de opressão social. É autor, entre outros livros, de “Multidão”, (1942), “Caminhada” (1943), “Circo” ( 1946), “A Raiz e o Vento” ( 1954), e de argumentos adaptados para o cinema que deram origem a diversos filmes, como o “Circo” transformado em Saltimbancos, com os atores Raul Semedo e Maria Olguim, como protagonistas e "Sonhar é Fácil", com os atores António Silva e Laura Alves, entre outras obras que foram surgindo. Leão Penedo destacou-se pela frontalidade e pela denúncia de um regime de imposição que mascarava a realidade social, política e económica que se vivia em Portugal. O seu espólio encontra-se no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira e integra o toponímia da cidade de Faro.

  • Excerto de "O Algarve e o Cinema" de Roberto Nobre

A febre de cinema, que percorreu o país, contagiou cá no sul um rapazito magro e alto, narigudo e muito pálido, que tinha óculos, desenhava bonecos e rabiscava artiguelhos nas gazetas. Esse rapazola, que era um mau aluno no liceu, escrevia com o seu francês muito mal aprendido na aula do Dr. Dentinho à Casa Pathé, de Paris, a pedir preços de máquinas e outros artigos de filmar. Aquela respondia-lhe através da sua agência de Barcelona – e a sua insistência tornou-se lá tão conhecida que já lhe diziam nas respostas: “Fazemos votos que, desta vez, as nossas condições lhe venham a agradar...” Ora, talvez os preços deles não fossem muito caros, mas a bolsa do rapaz é que era muito pequena. No entanto, como sonhar não custa dinheiro, esse rapazote organizara in mente tudo, já pelo menos o que julgava principal: o desenho da nova grande marca e o título da nova importante produtora. A marca seria um golfinho e o título Gharb-Film. Escuso de lhes lembrar que o al-, que no árabe prece¬de a palavra gharb, é o artigo definido. O nosso rapazola, então, sabia da língua árabe quase tanto como de francês. “Gharb”, assim só, tal como o Reino de Chencir, simbolizava a nossa rica província moura. Antes, é claro, deste nosso Reino do Algarve ter sido invadido pelos bárbaros vindos do norte, descendentes dos visigodos, que depois nos subjugaram e ainda hoje nos dominam. Somos um país anexado.
Era em nome dessa inexistente grande empresa, a Gharb-Film, que o rapaz se carteava com a sua “congénere” Pathé Frères. Enquanto não vinham as respostas, ia remoendo as dec1inações de latim do Padre Guedes e tentando compreender para que lhe serviriam a ele, grande homem do cinema, as tábuas dos logaritmos.

in: https://sites.google.com/site/robertonobrelegado/home/o-algarve-e-o-cinema


Tortura.png Roberto.png Multidão.jpg Caminhada leao.jpg Circo1.png A-raiz-e-o-vento-romance.jpg Enjaulado1.png

  • Bibliografia:

- A vida de Edison (coautoria com Gentil Marques) (1941)
- O filho também roubou! (coautoria com Gentil Marques) (1941)
- A Tortura da Carne (coautoria com Gentil Marques) (1941)
- Multidão (1942)
- Caminhada (1943)
- Circo (1946)
- A Raiz e o Vento (1954)
- O Homem Enjaulado (s.d.)
- Thomas Edison, o Pequeno Génio (coautoria com Gentil Marques) (1958)
- D. Roberto (1962)

  • Filmografia:

- Saltimbancos (1952) (adaptação do "Circo" com argumento de Leão Penedo e realização de Manuel Guimarães)
- Sonhar é Fácil (1952) (co-autoria do argumento do filme de Perdigão Queiroga)
- Dom Roberto (1962) (argumento de Leão Penedo com realização de Ernesto de Sousa)