Difference between revisions of "Sena, Jorge de - Livro Proibido"

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Deixai que a vida sobre vós repouse
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Deixai que a vida sobre vós repouse<br />
qual como só de vós é consentida
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qual como só de vós é consentida<br />
enquanto em vós o que não sois não ouse
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erguê-la ao nada a que regressa a vida.
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erguê-la ao nada a que regressa a vida.<br />
Que única seja, e uma vez mais aquela
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que nunca veio e nunca foi perdida.
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Deixai-a ser a que se não revela
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senão no ardor de não supor iguais
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seus olhos de pensá-la outra mais bela.
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Deixai-a ser a que não volta mais,
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a ansiosa, inadiável, insegura,
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a que se esquece dos sinais fatais,
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a que se esquece dos sinais fatais,<br />
 
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a que é do tempo a ideada formosura,
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a que é do tempo a ideada formosura,<br />
a que se encontra se se não procura.
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a que se encontra se se não procura.<br />
 
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“As Evidências” (1955)
 
“As Evidências” (1955)
  

Revision as of 16:04, 15 May 2024

JorgedeSena.jpg

  • Jorge de Sena (1919-1978)
Jorge de Sena, um dos mais relevantes escritores de língua portuguesa do século XX.
Opositor à ditadura, com obras apreendidas pela Censura por se tratarem de “subversivas” e “pornográficas”, foi um dos protagonistas da Revolta da Sé, e “com ordem de prisão” pela PIDE, em agosto de 1959, exila-se no Brasil. Fugindo também à ditadura no Brasil, parte para os Estados Unidos, em 1965.
Tentado regressar à Europa, no dia 22 de dezembro de 1965 foi detido pela PIDE, durante 24 horas, quando tentava entrar em Portugal pela fronteira espanhola.
Depois do 25 de Abril de 1974, regressou a Portugal mas ficou apenas durante dois meses.
Acabou por falecer no dia 4 de Junho de, em Santa Bárbara, na Califórnia.
  • Livro Proibido: As Evidências - Vinte e um sonetos de um poema só
Livro de poesia publicado em 1955, classificado por David Mourão-Ferreira como uma "obra de categoria excecional" (cf. Vinte Poetas Contemporâneos, 2.ª ed., Lisboa, Ática, 1980, p. 168), e que obrigou o autor a sucessivas visitas à  sede da pide/censura, no sentido de desbloquear a publicação da obra, que deixaria transparecer um certo inconformismo político, quase marxista pela emancipação em prol da liberdade.<,br />Vinte e um sonetos de um poema só, segundo Sena,(cf. SENA, Jorge - prefácio a As Evidências), foram fruto angustiosamente amadurecido de uma outra sinceridade; aquela que devemos a nós próprios e à nossa própria expressão, naqueles momentos, como que revelados, de aceitação transcendente, demasiado áspera para ser lembrada todos os dias, mesmo em presença da poesia, e de objetividade em face do mundo, demasiado incómoda para as vantagens quotidianas de sermos apenas nós próprios.


Deixai que a vida sobre vós repouse
qual como só de vós é consentida
enquanto em vós o que não sois não ouse

erguê-la ao nada a que regressa a vida.
Que única seja, e uma vez mais aquela
que nunca veio e nunca foi perdida.

Deixai-a ser a que se não revela
senão no ardor de não supor iguais
seus olhos de pensá-la outra mais bela.

Deixai-a ser a que não volta mais,
a ansiosa, inadiável, insegura,
a que se esquece dos sinais fatais,

a que é do tempo a ideada formosura,
a que se encontra se se não procura.

“As Evidências” (1955)


Mas o que evidencia esse poema em 21 sonetos tão pouco evidentes ao primeiro approach? Não é despiciendo o relato do autor quanto à «recepção» institucional que o livro sofreu ao ser publicado: O livrinho ficou impresso nos primeiros dias de Janeiro de 1955, foi logo apreendido pela pide […] e só pôde ser distribuído um mês depois de repetidas visitas à Censura […]. O livro era, além de subversivo, pornográfico, segundo me repetia sistematicamente, com um sorriso ameno e algum sarcasmo nos olhos […] supo‑ nho que o subdiretor que era um major ou tenente­‑coronel. Eu contestava que o livro, ora essa, não era nem uma coisa nem outra, e ele, dando­‑me palmadinhas 82 no joelho mais próximo, dizia: — Ora, ora… nós sabemos —. Ao fim de um mês destas periódicas sessões, o livro foi libertado, e para dizer a pura verdade evidente, era realmente subversivo e, se não propriamente pornográfico, sem dúvida que respeitavelmente obsceno.14

  • Para saber mais:

https://comunidadeculturaearte.com/a-liberdade-na-vida-e-obra-de-jorge-de-sena/

https://xdata.bookmarc.pt/gulbenkian/cl/pdfs/172/PT.FCG.RCL.8904.pdf